Carles: A vocação populista do Madrid sempre favoreceu a eleição de presidentes nesse estilo, especialistas em contratações de grande repercussão por cima do critério técnico. Desde que Floren assumiu, a coisa alcançou uma dimensão inesperada, sua fama de grande homem de negócios gerou um grande prestígio entre os associados e poder dentro do clube. Ele decide as contratações calculando quanto o novo jogador vai poder arrecadar para o clube através da participação nas campanhas de publicidade e vendas de imagem. Só que, dizem, não consulta ninguém, vive procurando gente para assessorá-lo que interfira pouco nas suas decisões. O último foi Zidane, um tipo bastante inútil fora dos gramados, que Pérez tentou colocar como gerente, treinador e finalmente como ajudante de Ancelotti. Desse jeito, o presidente sempre cumpre suas metas de arrecadação, mas quase nunca facilita o trabalho dos responsáveis pelo bom desempenho do time.
Edu: A impressão é de que a falta de valores faz as coisas irem desmoronando em torno, num efeito cascata. Parecia um bom começo de Ancelotti, uma aposta pelos jovens, pacificação pós-Mourinho, tudo ia aparentemente bem. Mas aí veio um tsunami que juntou as mágoas da época do português, a saída de Özil, o episódio Casillas e, obviamente, a hérnia de disco que custou 100 milhões de euros. Agora, leio que Khedira, que é um intocável na Seleção Alemã, como Özil aliás, se sente um estranho, não é querido pelo torcedor, não é bem visto no clube porque, teoricamente, é um 'produto' de Mourinho. É uma saga de Lost que não tem fim.
Carles: Provavelmente a saída do compatriota em direção ao Emirates agravou essa sensação de solidão de Sami. Ele não é um jogador espetacular, é sempre um coadjuvante, e isso é decisivo num clube como o Madrid. A eficiência é insuficiente. A saída de Özil é sintomática da falta de apego, da ausência de rosto nos negócios. Provavelmente, se Florentino mostrar as planilhas, conseguirá provar a quem for que o clube ganhou muito dinheiro com o alemão, e seus defensores argumentarão que a falta de carisma não permitia que ele participasse em muitos comerciais, em eventos, etc. O detalhe é que o time desmontou com a saída de Mesut. Sempre achei que Florentino era um torcedor com poder de decisão, com licença para realizar o desejo que fosse. Mas acho que é pior que isso, ele é o caso de extremo de mercantilização do futebol, obsessivo por obter rendimentos de uma atividade em que o lucro deveria ser menos relevante do que requisitos como o talento ou a adequação técnica. E veja como o futebol não perdoa. Um dos três ou quatro clubes mais poderosos do mundo não tem sido um habitual no pódio de títulos ultimamente. E o pior dos castigos para essa política veio em forma de protrusão. Uma protrusão de 100 milhões. E se o brinquedinho Bale quebra "no pasa nada", é só ir ali em Mônaco e buscar o Radamel Falcao. O Madrid paga.
Edu: Já acho que é um modelo Florentino, não um modelo Madrid. É exclusivo, uma grife, não é usual em outros clubes, mesmo nos mais poderosos. A saída de Özil causou comoção tanto na Plaza de Castilla quanto na Praça da Paz Celestial. Vieram manifestações de todos os lados, com um questionamento dos mais simples: se Özil não serve, quem serve? Aí, suponho que os companheiros do próprio Madrid se puseram a tentar entender o que é preciso fazer para ser reconhecido. Sinceramente, Carlão, muito simplista a versão da falta de carisma, da utilização para eventos, do craque midiático, etc. Não existe proposta de clube de futebol que sobreviva sem futebol, ainda que dê algum dinheiro.
Carles: Por favor, não me entenda mal, Özil serve e tem talento de sobra para jogar em qualquer time do mundo. Minha linha de raciocínio é para poder entender os absurdos d esse homenzinho, ele sim sem nenhum glamour. Os jogadores do Madrid por aqui são estrelas de comerciais de TV ou figuras beneméritas em ações sociais organizadas para reforçar positivamente a imagem do clube. Dificilmente se via o Özil numa dessas situações. Tampouco Khedira, como não se via Bodo Illgner, por exemplo, em outros tempos. Questão de caráter ou diferença cultural. Pelo jeito, esse perfil não serve para o Madrid, mesmo que seja um cracaço ao que ninguém seja capaz de questionar. Espero que uma proposta desse naipe não sobreviva mesmo, ela é destrutiva, gente como Florentino pouco faz pelo futebol e tamanho "derroche" só pode vir de uma entidade com muito dinheiro. Ou muito crédito, porque se andou falando por aqui que o Madrid teria uma dívida superior aos 500 milhões de euros!
Edu: Jogador de futebol é estrela de comercial aí, aqui e em qualquer lugar onde exista futebol e consumo. Neymar e até o aposentado Ronaldo aparecem mais na TV que a presidente Dilma e Barack Obama somados. Mas se Neymar não fizesse o que faz, e bem, não conviveríamos com sua figura 10 ou 15 vezes ao dia na telinha. A questão do Özil pode ser de pouca habilidade com o idioma ou uma mera preferência dos anunciantes pelo Cristiano Ronaldo e pelas melenas do Sérgio Ramos. O Madrid é uma coletividade, insisto nisso, algum eco deve ter o que o torcedor comum manifesta. E o torcedor comum não quer isso que aí está. Hoje, a Comissão de Justiça do Senado Brasileiro aprovou um projeto que responsabiliza os dirigentes pelas dívidas dos clubes. Acontece que a maior dívida que temos por aqui não chega no joelho da dívida do Floren, porque, claro, quanto mais dinheiro o sujeito tem maior é dívida. Não sei se esse projeto seguirá adiante, porque ainda vai enfrentar os lobbies de sempre. Mas sei que é algo que vocês já têm aí e parece que não é respeitado.
Carles: Ser estrela de comercial deveria ser uma consequência da fama, mas não um requisito para ser titular num time de futebol. Dificuldade com o idioma não é prerrogativa de Özil ou Benzema, se bem que um esforço de integração sempre se agradece e alemães e franceses não destacam por tentar. A legislação por aqui corresponsabiliza até quem é síndico de prédio e comete um erro com consequências sobre as contas da coletividade. Claro que é mais fácil que se penalize a um síndico que a um sujeito com as costas quentes como Florentino.
Edu: Então, só resta a vocês - Barça incluído - continuarem acompanhando a saga do planeta Florentino.