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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Os grandes da África enfrentam sua sina

Edu: Nigéria, Camarões e Costa do Marfim estarão por aqui em junho. Outro clássico time africano, Gana, deve se garantir contra o Egito e Burkina Faso pode, com um empate, passar pela Argélia, nos dois jogos que faltam nesta terça-feira. Seriam cinco representantes da África subsaariana, o que não deixa de ser uma atração à parte na Copa. Mas, mesmo com a presença de craques 'europeus' como Drogba, Mikel, Essien, Eto'o e os irmãos Touré, pelo que andei vendo desses times, acho difícil que os africanos deixem de ser, também neste Mundial, uma atração muito mais exótica do que técnica. Parece até que a influência europeia despersonalizou aquele estilo de futebol ao mesmo tempo anárquico e competitivo dos tempos de Roger Milla. Será que algum deles é capaz de surpreender no nosso clima tropical?

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Uma sina une os destinos de Nigéria, Camarões e Costa do Marfim. Todos eles foram promissores em alguma Copa, bem mais do que qualquer outra seleção da África, talvez junto com Senegal que este ano perdeu sua eliminatória para os marfinenses. E todos eles sucumbiram, adiando o que mais cedo ou mais tarde vai acontecer. Você tem razão, na ânsia de tornar o futebol do continente mais competitivo, andaram contratando treinadores europeus, de perfil conservador, normalmente de segundo escalão, acostumados a times pequenos e por isso obcecados pela disciplina tática. Eu não diria que isso provocou a perda da identidade, prefiro pensar que é só uma crise de identidade e que o componente tático vai se manter como complemento ao talento natural. Na página da Fifa, após a classificação de Costa do Marfim, a última das grandes promessas, o título era: "Brasil, a última chance", referindo-se à geração dos Drogba, Touré e Kalou. Só que não acho que os africanos tenham toda essa pressa e isso é parte da personalidade marca da casa. Para apressados, já estamos nós, do chamado mundo ocidental.

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Edu: É preciso acrescentar um problema que nos grandes times africanos tem se repetido - o choque entre os jogadores que fazem suas carreiras no contexto local com os egos dos craques que estão na Europa. Outro dia Samuel Eto'o se queixou de que recebe poucos passes dos companheiros. Os donos do time nigeriano, Obi Mikel e Moses, ambos na Inglaterra, também tiveram suas diferenças internas. Ou seja, além da dificuldade estrutural crônica por históricas defasagens econômicas, mesmo os melhores times africanos ainda padecem dessas divergências humanas geradas pelas benesses de que alguns desfrutam enquanto a maioria segue vivendo em seu mundo de exclusão. Também esse pode ser um ponto de vista 'ocidental', mas é o que transparece a cada Copa do Mundo, quando mantemos um maior contato com as seleções do continente africano.

Carles: Não tem maior choque cultural que o da volta ao lar. Quem volta se mostra pouco tolerante com o que foi seu próprio passado e quem não saiu, decodifica todo tipo de comportamento distinto como um sinal de prepotência. É o processo de amadurecimento particular e intransferível dos africanos. É possível que, no fim dessa viagem, os maiores candidatos a colonizados acabem nos surpreendendo e sejam os que mantenham mais íntegras as ligações com as suas raízes. Claro que as dificuldades naturais do continente garantem uma certa proteção e maior capacidade de preservação. Também no futebol. A Fifa conseguiu adiar toda a pressão de um continente já com muita força comercial, organizando uma Copa na África do Sul, reduto mais 'ocidental' pelo menos na que diz respeito à África Negra. Os torneios de 2018 na Rússia e o seguinte no Qatar, ambos também de certa forma periféricos, adiam o problema de organizar um torneio realmente africano. Já são cinco representantes e com um peso cada vez maior, apesar da falta de títulos ou classificações importantes. Estou convencido que no dia menos pensado, o futebol africano deixará esse papel coadjuvante para outros.

Edu: É de se louvar esse seu otimismo. Pensava dessa forma no início dos anos 90, mas os fatos me atropelaram. É duro reconhecer que a contaminação cultural no futebol talvez seja o grande problema mesmo - mas ao mesmo tempo a única saída neste momento. Veja o caso de Burkina Faso, um país com Índice de Desenvolvimento Humano que o coloca em 161º lugar no mundo, um primo ainda mais pobre no contexto da África Negra e que pode chegar agora à sua primeira Copa depois de ter sido vice-campeão do continente. Pois sua seleção também tem uma esmagadora maioria de 'europeus', o que talvez explique a ascensão técnica repentina. Dos que estão sendo convocados, apenas dois jogadores atuam no próprio país e as estrelas do time são internacionais desde praticamente a adolescência. Jonathan Pitroipa foi ainda menor de idade para a Alemanha e hoje joga no Rennes e Alain Traoré chegou ao Auxerre com 16 anos, clube que o recebeu de volta em 2012, depois de umas andanças pela própria França. Ou seja, o pequeno país só colocou a cabeça para fora depois da contaminação.

Carles: Uma contaminação para poder participar de um torneio organizado pelos contaminadores e competir com as suas regras. Inevitável que os selecionados africanos, dispostos a pelo menos participar dignamente, enviem seus estagiários para uma conveniente adequação. E não só no esporte. A maioria das culturas do continente estão baseadas em organizações tribais, cada uma com sua própria culturas. A adoção de conceitos como o de nação ou de república é também parte dessa contaminação. Não são de se estranhar as dificuldades de adaptação e que uns poucos espertalhões tenham se aproveitado dessa situação para tomarem o poder e potencializar modelos sociais desiguais e injustos. É tudo uma questão de conseguir retomar os próprios destinos, como parece que tem acontecido há tempos, com a América do Sul. Motivo mais do que suficiente para que, entre nós dois, o otimista seja você. Vejamos por exemplo os dois jogos que você citou: nas partidas de ida Gana venceu o Egito por 6 a 1 e Burkina Faso fez o mesmo com a Argélia por 3 a 2. Pois o jogo de volta que as tevês europeias decidiram transmitir é o da eliminatória quase decidida. Imagino que os africanos prefeririam mostrar o jogo que promete maior emoção.

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Edu: Para a Copa como evento social, será um autêntico luxo para nós brasileiros termos aqui os representantes da África Negra. Será festa atrás de festa, algo como aconteceu com os nigerianos na Copa das Confederações, esteja certo. Essa afinidade ainda nos une e posso garantir que é uma identificação autêntica para a maioria da população. Talvez por isso, as televisões daqui tenham decidido mostrar todos os jogos da etapa decisiva da eliminatória africana. Contaminados ou não, os coirmãos serão muito bem-vindos.

Carles: A minha porção brasileira se une às boas vindas. Com muito otimismo e torcendo para uma surpresa africana já em 2014.