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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Os 'Black Stars' não terão vida fácil no Brasil

Carles: Talvez Gana seja um dos casos que confirmam velhos estereótipos como o de que alguns povos trazem a ginga no sangue e com ela a aptidão para esportes marcados pelo ritmo quase coreográfico, como o futebol.

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Podíamos mesmo dizer que as duas manifestações culturais que compõem os traços da sociedade ganesa, uma das sólidas democracias africanas da Costa do Ouro, são justamente o futebol, praticado em massa em todos os cantos do país, em especial nas ruelas e periferias de Acra; e o highlife, o gênero musical tipo exportação do país, levado ao ritmo dançante dos trompetes e das cordas, enriquecido visualmente pelas roupas coloridas, que influenciou meio continente e, claro, os latinos mundo afora.

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Carles: Principalmente depois da independência, em 1957, as novas gerações fizeram do futebol do país uma potência nos torneios para adolescentes e em todas as categorias previas aos Sub-20.

Edu: E com estilo próprio, fundado na força e na habilidade que o diferencia dos seus vizinhos da África Negra. Foram essas dinastias recentes que também transformam o highlife em hiplife, fundindo o som local com o hip hop, resultando num original coquetel musical que, embora modernoso, não fez concessões quanto a suas raízes sociais.

Carles: É um desses gêneros que faz concessões à indústria cultural e que a gente acaba encontrando na seção de World Music dos grandes centros comerciais ocidentais, mas que tem componentes de raízes africanas e do Caribe, pela marcada relação entre as cordas que harmonizam e contrastam com os metais.

Edu: As marcas da colonização inglesa são evidentes na sociedade ganesa, algo que vai além do idioma e das estruturas burocráticas do governo. Mas não foi suficiente para descaracterizar o traço multicultural do país, formado por uma imensa variedade de tribos, com quase 80 línguas autóctones e uma malha geopolítica que mais parece um imenso puzzle de várias origens, conglomerados regionais e grandes famílias, algumas com milhares de componentes e idiomas particulares.

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Carles: Nove são os idiomas reconhecidos oficialmente, além do inglês, utilizado por 40% da população.

Edu: A proximidade com a cultura britânica, porém, teve forte influência no ambiente do futebol. Os jogadores ganeses praticamente comandaram uma invasão africana na Europa a partir dos anos 80, capitaneados pelo fantástico Abedi 'Pelé', e ainda hoje formam um dos grupos com melhor capacidade de adaptação no jet set internacional, espalhados que estão pelos principais centros do futebol europeu.

Carles: O time atual, treinado por outro que fez história, o ex-capitão da seleção Akwasi Appiah, tem apenas quatro ou cinco jogadores que atuam em Gana. Para o último amistoso contra a seleção de Montenegro, o goleiro Steven Adams de 24 anos, que joga no Aduana Stars, da cidade de Dormaa Ahenkro, era o único entre os convocados que joga no país.

Edu: O grupo conta com uma média de idade bastante baixa - o único titular absoluto com mais de 30 é o inconfundível Michael Essien, hoje no Milan, 31 anos. Essien é um dos destaques ao lado da estrela Kevin Prince Boateng (Schalke 04)...

Carles: Mais um do clássico "irmãos separados pelo futebol"... Ele e o mano caçula Jerôme devem se cruzar em Fortaleza no segundo jogo do grupo...

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Edu: Mesmo que o alemão da família não seja titular, será inevitável. Mas Gana traz mais experientes, o capitão Asamoah Gyan, com larga vivência no futebol italiano e hoje defendendo o Al Ain (Emirados), Sulley Muntari, o volante da Inter que não é do tipo delicado, e aquele que, hoje, é provavelmente o jogar ganês mais em forma, o ala-atacante Kwadwo Asamoah, titular da Juventus de Turim.

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Carles: Além do jovem herdeiro André Aiew...

Edu: Boa parte desses jogadores esteve a ponto de fazer história no Mundial de 2010, quando, por um pênalti perdido no último minuto de jogo, não desclassificou o Uruguai, perdendo a chance de passar à semifinal.

Carles: Inesquecível aquele lance, no último minuto da prorrogação e com o marcador em 1 a 1, Luisito Suárez em cima da linha desviou a bola com a mão e acabou expulso. Saía desconsolado e, de repente, já na boca do vestiário, começou a vibrar quando o capitão Asamoah Gyan lançou a bola na trave. Uruguai passou na disputa de pênaltis mas ficou sem Suarez para a semi e acabou eliminado pela  Holanda.

Edu: Gana havia participado apenas da Copa de 2006, quando foi desclassificada nas oitavas pelo Brasil dos Ronaldos, de Kaká e de Adriano, que fracassaria logo depois.

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Carles: Nada mal, logo na primeira fase final mundial, os Black Stars já chegaram às oitavas e, em 2010, às quartas. Por que não uma semifinal agora?

Edu: Gana não terá vida fácil no Brasil em um grupo especialmente cascudo contra Alemanha, Portugal e Estados Unidos. Mas seus adversários também devem estar preocupados: ninguém pode desprezar a competitividade de time ganês, que montou seu quartel general no Nordeste - vai se concentrar em Maceió - e terá viagens curtas para duas partidas, a estreia contra os EUA, em Natal, e o segundo jogo, diante dos alemães em Fortaleza. Depois, o time fecha a primeira fase com um deslocamento pouco maior, até Brasília, onde pega Portugal. A opção por ficar nas Alagoas teve motivação logística e principalmente climática. Gana estará em praticamente em casa, enquanto os adversários certamente sofrerão mais com o calor. Por aqui, nas apostas informais, as 'Estrelas Negras' de Gana são, ao lado dos marfinenses, os times africanos a ser levados em conta, muito mais do que simples zebras.

Carles: Segundo o nosso duvidoso critério Ranking Fifa, trata-se de um grupo complicadíssimo: Alemanha aparece em 2º, Portugal em 3º e Estados Unidos em 13º e uma vontade danada de seguir subindo no ranking. Gana só aparece na 38ª, mas realmente é um dos times candidatos a finalmente fazer alguma justiça aos méritos do futebol africano entre os adultos.

Edu: "Quem me dera ser como Gana, que tem ao menos meia dúzia de jogadores disputando a Champions; eu não tenho nenhum", disse outro dia no Brasil o técnico dos Estados Unidos, o alemão Jurgen Klinsmann. De fato, desde a geração de Abedi Pelé, que fez história no Olympique de Marselha onde hoje atua o filho André Aiew, os jogadores de Gana passaram a frequentar alguns dos grandes clubes da Europa com assiduidade, revelados pelas excelentes equipes de base que deram trabalho nos torneios de jovens e levaram à conquista dos títulos mundiais do sub-17 em duas ocasiões (1995 e 1999) e do sub-20 em 2009, no Egito, derrotando na final a Seleção Brasileira que tinha jogadores como Paulo Henrique Ganso, Alan Kardec e Alex Teixeira, hoje um dos principais nomes do Shakthar Donetsk.

Carles: Vai ser uma dura prova para os Black Stars já desde o começo. Se conseguirem se classificar nesse verdadeiro grupo da morte, tenho a impressão que passam a ser candidatos a tudo.

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