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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

O futebol de 'La Tri' já sabe falar grosso

Carles: Na cidade onde nasci, Valencia, estamos muito atentos à evolução do futebol equatoriano. Explico. Anualmente, ao longo dos campos de futebol que cobrem a enorme área verde que atualmente ocupa o antigo leito do Rio Turia, organizam-se verdadeiras Copas do Mundo entre times de imigrantes. E as equipes formados por equatorianos não só são dos mais habilidosos como costumam levar grande parte dos troféus. Essa é só uma razão, a outra é que a seleção de futebol do Equador, entre 2102 e maio próximo, vai se enfrentar às quatro seleções do nosso grupo na Copa 2014. Portanto, pode servir para dar uma boa ideia das nossas possibilidades.

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Certamente servirá. O futebol do Equador acompanhou os próprios avanços do país a partir da década passada, tem uma estrutura com certa solidez e conseguiu importantes conquistas desde a participação em sua primeira Copa do Mundo, 2002, com sua geração mais brilhante, comandada por Ivan Hurtado e Álex Aguinaga. Tem tudo a ver com a posição importante que o país assumiu na América do Sul e não só politicamente.

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Carles: Assisti aos jogos de "La Tri" contra o Chile pelas eliminatórias em casa e eles meteram um 3 a 1 de virada. Também em casa, jogaram contra a Espanha, ganhadora no que eles chamaram "El partido del siglo" por 2 a 0. Sem alguns dos principais jogadores, Del Bosque escalou uma espécie de mistão entre a absoluta e a sub-21. Esse jogo serviu para homenagear um dos ídolos, Christian "Chucho" Benitez - morto em Doha, cidade do que seria seu clube, El Jaish -, com uma interrupção no minuto 11, o número habitual dele na seleção. Recentemente em Londres, a seleção do Equador venceu a Austrália também de virada por 4 a 3, depois de estar perdendo por 3 a 0. Aliás, esse time é muito forte ofensivamente com Felipe Caicedo e Jefferson Montero, sempre assistidos por Antonio Valencia, Noboa e Walter Ayoví, mas precisa ter a bola, porque a defesa costuma fazer água.

Edu: Tem ainda o intratável Fidel Martínez, chamado de 'Neymar Equatoriano' muito mais pelo corte de cabelo do que pelos dribles que dá. Como Montero e o outro atacante de ofício, Enner Valencia, Martínez joga no México, um intercâmbio recorrente e que tornou bastante competitivo meio time titular do Equador. Mas a liderança da equipe ainda está em mãos do veteraníssimo volante Edison Méndez, 35 anos, que esteve no time de 2002 e viveu sua melhor fase no PSV Eindhoven (foi bicampeão da Eredivisie), além dos citados por você, Ayoví, 34 anos, capitão do time que joga no Pachuca e, claro, Antonio Valencia, porque ninguém faz quase 200 partidas pelo United por acaso.

Carles: O 'Neymar Equatoriano' esteve na órbita dos times da Comunidade Valenciana - Valencia, Villarreal e Levante -, até que acabou no México, um mercado ultimamente muito frequentado pelos agentes dos futebolistas equatorianos. Pelos clubes valencianos passaram também Montero e Caicedo que, aliás, fez uma temporada 20111/12 sensacional pelo Levante marcando 13 gols. São números mais dos que satisfatórios no caso dos 'granotas', para quem normalmente um gol representa um empate ou uma vitória mais do que fundamentais para a permanência na Primeira divisão. A torcida estava encantada com ele e ele parecia um ídolo galáctico na cidade. Até que apareceu o personagem de sempre, o representante, que, se não mede mal, demonstra mais ambição que visão. E "Felipao" acabou na Rússia onde seus números foram caindo, caindo até que em janeiro acabou assinando com o Al Jazeera por 3 anos.

Edu: Seja como for, o crescimento do prestígio internacional de seus jogadores, os avanços institucionais inegáveis da década passada e o papel cada vez mais relevante do presidente Rafael Correa no cenário latino-americano - um tipo que não hesita em peitar os poderosos - deram a esse pedaço histórico da América do Sul, com raízes espanholas e indígenas, um protagonismo que nem a crise do petróleo, sua grande fonte de riqueza, havia dado em outros tempos. É verdade que o futebol equatoriano acendeu e não explodiu depois daquele timaço de 2002 e mesmo na boa campanha em que passou de fase na Copa da Alemanha em 2006. A geração de hoje, por esse motivo, sofreu com as cobranças mas parece ter estabelecido um bom padrão com o atual técnico, o colombiano Reinaldo Rueda. O time terminou em quarto lugar nas Eliminatórias Sul-Americanas, mas já tinha garantido a vaga com uma rodada de antecipação vencendo ninguém menos que o Uruguai. Tenho a impressão que vai incomodar na Copa.

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Carles: Pois é, se a seleção 'Tri' não deu para 'La Roja' no futebol, não se pode dizer o mesmo de Rafael Correa e os seus embates com os jornalistas espanhóis, sobretudo os oficialistas. Ele deu um verdadeiro banho aos agressivos amigos de Rajoy da TVE durante as entrevistas no último verão, quando esteve por aqui para várias reuniões com os imigrantes equatorianos. Não satisfeitos, insistiram em entrevistar Pepe Mujica, e ambos conseguiram deixar à mostra as vergonhas e falta de argumento do jornalismo partidista e conservador. E nós nos divertimos muito. Voltando ao gramado e segundo a Fifa, Equador ocupa o 28º posto no ranking de abril contra o oitavo da imprevisível Suiça, o 16º da França e o 32º de Honduras. E com a vantagem de jogar ao lado de casa. Uma irrepetível chance não acha?

Edu: Aliás, foi um dos países sul-americanos que mais comprou ingressos, segundo o balanço divulgado pela organização. O curioso é que "La Tricolor" escolheu um local de concentração bem distante do Trópico - ficará em Viamão, na Grande Porto Alegre, em um recanto bastante tranquilo que garantirá concentração total. E terá a honra de fazer um de seus jogos, o terceiro e mais importante (contra a França), no Maracanã. Como o time estreia em Brasília e não deve ter problemas contra Honduras, a definição de uma possível vaga nas oitavas deve ficar mesmo para o segundo jogo, em Curitiba, contra um osso duro que a Espanha campeã do mundo sentiu na carne em 2010: Suíça.

Carles: Antes da estreia, eles vão se medir justamente ao primeiro adversário da Espanha no Brasil e último na África do Sul: os holandeses. Também jogam contra um dos adversários do Brasil, México, e contra a Inglaterra. Fiquemos atentos à evolução dessa seleção que não tem a força nem conta com o fator surpresa daquele time de 2002 ou até de 2006 quando chegou às oitavas, mas parece ter recuperado algo de competitividade.

Edu: E, como o chefe, também sabe falar grosso.

 

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