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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

O capitão (ou general?) perdendo as estribeiras

Carles: E então vocês decidiram arrumar um caso Mourinho-Casillas versão tropical.

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Nem Ney Franco é Mourinho, muito menos Ceni é Casillas.

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Carles: Provavelmente Franco é a antítese do luso, em todos os sentidos. Ceni como muito seria hoje reserva do Hércules. Mas conte, conte...

Edu: Numa entrevista que Ney Franco deu ao jornal 'O Globo', publicada anteontem, disse claramente que o Rogério tem forte influência nas decisões do clube. Que o goleiro e capitão 'mina' o elenco, provoca sucessivos desgastes.

Carles: Como goleiro ele sempre foi um grande político.

Edu: Disse que Rogério Ceni faz política pelos corredores, se queixa das contratações que não lhe interessam e pouco a pouco vai fritando esses jogadores. E citou claramente Ganso e Lúcio.

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Carles: Li que não só jogadores, mas é uma fritadeira de treinadores.

Edu: Com todas as letras, Ney teve coragem de dizer algo que outros técnicos, inclusive o falastrão do Leão, não tiveram. O treinador deu a entender o que muitos jogadores do São Paulo já disseram em off - que Rogério é um mau colega, autoritário e com trânsito livre entre os dirigentes, que disputam seu apoio político. Que faz e desfaz quando quer, palpita sobre tudo, inclusive sobre tática à revelia dos treinadores.

Carles: Pois pelo que o São Paulo vem jogando, Ceni além de um goleiro medíocre, mostra-se um treinador com pouquíssimo futuro. Insisto, quem sabe a política. Vi o gol que o time tomou do Milan num plano aberto, como ele não estava jogando, provavelmente estava dirigindo: posicionamento do time primário e o sentido de cobertura de time colegial.

Edu: Ney Franco só expressou, no fundo, o que todo mundo já sabia, que Rogério é em grande parte responsável por quem joga e por quem sai. Agora, depois que brotaram as histórias, muitos estão dizendo que foi dele a ideia de afastar o Lúcio definitivamente. Tem as costas quentíssimas, o presidente Juvenal Juvêncio já disse que, por ele, Ceni será o treinador, o homem do futuro no São Paulo.

Carles: Pelo que eu entendi, existe uma tendência nos meios especializados em proteger a eminência parda Rogério Ceni, em detrimento de Ney Franco, um desempregado que não prima pela personalidade forte. Tem mais, ele cometeu o pecado capital de romper o código classista. Imperdoável. Se isto fosse um filme norte-americano, Autuori sairia ganhando com essa história, mas temo que é neorrealismo.

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Edu: Nesse neorrealismo, Autuori pode ser tranquilamente a próxima vítima, isso sim. É bom deixar claro que a história de Rogério no São Paulo é gloriosa em todos os sentidos. Tenho uma série de reservas quanto à eficiência técnica dele, mas o que conquistou no clube está acima de discussão porque, simplesmente, arrebatou a coletividade, é um goleiro-artilheiro, foi símbolo em muitos títulos. É visto como o maior ídolo da história do clube. Mas isso jamais deveria significar um salvo conduto para fazer e desfazer o que bem entende. Parte da imprensa já começou a enxergar isso e criticou bastante as últimas atitudes. Mas ele tem ainda muita gente na mídia que sustenta essa postura em função de uma suposta e invejável 'capacidade de liderança'.

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Carles: Nunca me convenceu como goleiro. Antes de ser artilheiro deveria cumprir na posição dele, no que, para meu gosto, nunca superou a média. Mas diga, a arremetida do Ney Franco teve troco, não?

Edu: Ontem, Rogério respondeu à entrevista dizendo que é apenas um funcionário do clube e que, se tivesse tanto poder assim, Ney já estaria no olho da rua há muito mais tempo. Mas na despedida do técnico, depois daquela primeira derrota para o Corinthians na Recopa, ele fez um discurso meloso diante dos colegas, elogiando o trabalho e a dedicação profissional do Ney, um padrão de dissimulação, aliás, bem comum no futebol.

Carles: Ele sabe o que a torcida gosta...

Edu: Mas a torcida também enxerga longe, ainda mais numa fase dessas. Rogério vem há ao menos dois anos em um acentuado declive técnico, tem comprometido o time em várias partidas decisivas. Depois dessas discussões públicas - que custaram também o cargo de um diretor, Adalberto Baptista, que ousou dizer que Rogério tinha falhado algumas vezes recentemente -, um portal na web fez uma enquete, na qual quase 70% dos torcedores reprovaram a postura do goleiro. Nada é eterno no futebol, só ele não sabe disso.

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Carles: Ou seja, 30% da torcida, a diretoria e parte da imprensa? Mais do que suficiente.

Edu: No post "Capitães reinventados" antecipávamos um pouco essa história sobre o poder às vezes exagerado delegado a um capitão.

Carles: Das capitanias benéficas, das não tanto...

Edu: Isso. Dizíamos da necessidade de o capitão ser um ícone de referência, um farol em campo.

Carles: Pelo andar da carruagem, a lâmpada desse farol fundiu faz tempo...

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Edu: Lembro que uma das imagens naquele post foi a do capitão-general, o dono do time, que se julga acima do bem e do mal. Neste caso, a atitude intimidatória e recorrente de Rogério tem sido sustentada pela diretoria, o que é nefasto para o São Paulo. É uma banda pobre, que envolve todo mundo e deixa os jogadores e as comissões técnicas acuadas.

Carles: Pois é, a vida imitando o blog. Só não entendo como os dirigentes não conseguem enxergar esse tipo de coisas. Bom, não é nenhuma novidade nem no futebol, nem na empresa que for.

Edu: O problema é que os dirigentes são, hoje, mais frágeis politicamente que o próprio Rogério dentro do clube, incluindo o presidente que o defende tanto. Essa inversão de valores hierárquicos já é, há algum tempo, um câncer dentro do São Paulo. Fico pensando o que aconteceria num caso desses em uma instituição como o Barça ou o Milan.

Carles: Difícil. Pelo menos nessa proporção.

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