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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

No caminho do Brasil, o frenético Chile despacha a campeã

QUANDO O MARACANÃ VIROU SANTIAGO

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Golaço do Cahill hem?

Edu: Magnífico... E o que mais temos pra hoje?

Carles: Amistoso entre La Roja e Aussies em Curitiba, na próxima segunda. Os dois sem Mundial já.

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Edu: Quando Pep Guardiola assume?

Carles: Infelizmente não assume. Seria muito bacana, mas não acho que ele suportasse Villar assim como não suportou Rosell. Uma coisa é certa, Del Bosque se aposenta na segunda... ou quem sabe tem alguma boquinha por aí...

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Edu: Alguém vai ter que fazer a reinicialização e claro que Guardiola, até por suas posições políticas, não é esse cara. A única coisa que se imaginava era um final um pouco mais decente para os campeões mundiais, os responsáveis por reescrever a história do futebol espanhol nos últimos seis anos e estabelecer um paradigma. Por razões que talvez a gente nunca saiba, o que se viu aqui foi uma caricatura.

Carles: Sinceramente, Zé, eu também esperava um final mais digno, porque, na verdade, sempre me mantive bastante cético quanto às reais possibilidades na Copa. Mas não esperava um final tão desastroso. Também falamos aqui no 500 aC da possibilidade de sobrar para a Espanha nesse grupo tinhoso. O elenco careceu de condição física, mas também - e principalmente - de comando dentro e fora de campo. É curioso que durante os dois jogos, Del Bosque trocava ideias com Javier Miñano, o preparador físico e nunca com Toni Grande, o segundo treinador. Nos dois jogos, os jogadores saíram no intervalo, abatidos sem trocar uma só palavra entre eles. Mas, sobretudo, faltou reconhecer as próprias limitações para poder traçar um plano B para tentar sair brioso.

Edu: Então está claro que não foi principalmente a questão física. A impressão de um pessoal sem alma e provavelmente dividido por algumas lideranças difusas ficou bem evidente. Mesmo a Espanha vencedora carecia de maior força espiritual, mas enquanto o time ganha com autoridade, com a confiança lá em cima, tudo fica mais fácil. Aquele problema da falta de liderança dentro de campo não pesou? Você diria que, quanto a temperamento, faltou ao time ser mais Sérgio Ramos e menos Xavi e Casillas?

Carles: Era um modelo que não requeria demasiada interação entre eles, mais além da troca compulsiva de passes. Só que, se a gente rever esses mesmos jogadores sendo campeões de uma Copa e duas Eurocopas, vai perceber que o clima era outro. Tinha força espiritual, ao estilo ibérico, é verdade. Quanto a Sérgio Ramos, ele mostrou que tem "más pelotas" dentro do próprio curral e muito pouca experiência quando está muito longe de casa. Desde aquela final da Confecup, o grupo dá a impressão de padecer de um certo medo cênico. Faltou alguém com a sabedoria para arrancar esse 'alien' de dentro do corpo de La Roja na hora certa, antes do vexame. Isso não significa que tem que mudar todo mundo, mas pelo menos, ter a habilidade de abrir as janelas certas para deixar o ar fresco correr, arejar o ambiente carregado.

Edu: Quanto a não se livrar do fantasma da final contra o Brasil, não foi por falta de aviso. No dia seguinte daquela surra dizíamos aqui que era o pretexto ideal para Marquês Del Bosque iniciar uma pequena revolução, que traria ao time mais gás e mais ideias - lembro que já citávamos Isco, Deulofeu e Thiago Alcântara. Nem mesmo os mais fanáticos da imprensa esportiva pareciam muito alinhados com o técnico, mas também não se cobrou publicamente com ênfase a necessidade de renovação. Aliás, as manchetes esportivas logo após a derrocada de hoje parecem estar prontas há tempos: "El fin de una generación única" (Diário Marca); "Maracanazo y adiós al Mundial" (Diário AS); "2-0: España se despide por la puerta de atrás" (Mundo Deportivo). E nos jornais ditos 'sérios', nem a abdicação do rei, assinada pouco antes do jogo, teve mais destaque que o fracasso do time.

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Carles: Não podia ser pior o começo do reinado do Felipinho VI. A casa real que pretendia aproveitar o vácuo do clima de Copa quando marcou a cerimônia para esta quarta... imaginou que a seleção a esta altura estaria coroada e as ruas de Madrid cobertas de otimismo patriótico vermelho e amarelo, fundindo o entusiasmo futebolístico à celebração monarquista. O efeito foi justamente ocontrário. Isso sem falar da nova gafe de Rajoy que tentou escapar de uma situação incômoda durante a abdicação do Borbón Senior dizendo que o jogo já estava ajeitado. Acho que ele se esqueceu de avisar a seleção chilena.

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Edu: Ajeitado? Para quem cara-pálida? Bom, vindo do digníssimo não me estranha. Com isso, a seleção terá agora um caminho obrigatório de reconstrução, condenado a aposentar talvez uns 80% da equipe campeã do mundo. É bom ressaltar, e muito, que quem fechou o caixão merece todo respeito. Poucas vezes vi um time numa Copa do Mundo tão frenético como este Chile de Sampaoli. Noventa minutos com o ponteiro da intensidade lá em cima, brigando por todas as bolas, inclusive as perdidas. Herança total de Loco Bielsa, com um toque de ousadia quase suicida, porque muitas vezes o time descia com nove jogadores, alucinados, no ritmo da 'hinchada', que invadiu festivamente o Maracanã - ao contrário de alguns compatriotas animalescos que quebraram tudo antes do jogo, tentando invadir o estádio pela sala de imprensa. Dentro de campo, que é o que interessa, não digo nada se daqui a uns dias esse mesmo time não enterrar outro campeão mundial, se é que você me entende.

Carles: Também não entendi a do Mariano. Ninguém entendeu. Aliás até hoje não entendemos como esse homem chegou onde está. Bom, maioria de votos, mas enfim... Sem dúvida um dos times mais competitivos da Copa, esse Chile que Sampaoli, não se cansa de reconhecer, é muito produto do trabalho e da sua admiração pela filosofia de jogo imposta por Bielsa. Talvez a seleção espanhola devesse aprender mais isso do seu carrasco de hoje. Poucas vezes o Marquês reconheceu ter sido uma espécie de herdeiro da obra que sempre tentou retocar mais com o objetivo de colocar o seu cunho. De certo modo conseguiu, dando um caráter passivo ao time que até há pouco, brigava por todas.

Edu: Só sei que, hoje, quebraram uma das pernas do 500 aC... e não posso dizer que estou muito convicto sobre até onde vai a outra. Para a Seleção Brasileira, depois de Camarões, que se supõe uma moleza, virá das duas uma: a Holanda dos 5 a 1 ou esse Chile pilhado. Será que dá para pular essa parte?

Carles: Como disse depois do primeiro jogo, não acredito que essa Holanda siga crescendo, se bem que hoje contra a Austrália, Van Gaal me surpreendeu, quando a alma gêmea de Diego Costa, Bruno Martins, saiu de campo contundido, ele meteu o garoto de 20 anos, Memphis Depay que revolucionou o time. Saiu um xerifão e o general pôs um "jugón"! Isso merece um reconhecimento. Já se for o Chile, o confronto pode estar condicionado por um certo complexo de inferioridade histórico e isso pode bloquear um pouco os chilenos e dar uma certa vantagem à seleção anfitriã.

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Edu: Tenho minhas dúvidas.

Carles: Tem todo o direito e desconfio que você não é o único.

 

 

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