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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Neymar diante do motim da mediocridade

Edu: Antonio Carló, um velho amigo jornalista espanhol dos tempos em que trabalhei para o Diario AS, me ligou aflito de Glasgow, onde vive, para perguntar sobre a repercussão por aqui ainda daquele Celtic-Barça. Contou que a imprensa escocesa abriu uma campanha anti-Neymar, que inclui charges de péssimo gosto, entrevistas com torcedores indignados e artigos rancorosos de gente que não se conforma com o 'teatro' montado pelo atacante brasileiro no lance da expulsão de Brown, o capitão do Celtic. O barulho teve repercussão pelo Reino Unido afora e, como de hábito, Mourinho abraçou a história para usar como desculpa para alguma bobagem que seu time fez e pediu à Uefa que radicalize no fair play contra a simulação em jogos da Champions. Mourinho falando em fair play, veja você... Neymar começa a pagar o preço por destruir adversários europeus, mas você acha o Barça dará respaldo ao garoto?

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Se bem que, por aí, Neymar anda próximo à divindade, não chega a ser Maomé e, portanto, não entremos em pânico com a repercussão das tais charges. É bom a gente ir se acostumando com essa história, que vai se repetir por parte dos treinadores que forem caindo diante do Barça. As faltas vão se suceder, pênaltis, marcados ou não. Mourinho foi mais além e começou a cozinhar a desculpa desde já. Muito conhecido o oportunismo do luso que, provavelmente, já anteviu a possibilidade de ter que enfrentar o Barça, pela Champions, com o risco de tomar um corretivo.

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Edu: Só que manifestações como esta do Portuga e de outros, como o infeliz técnico do Valladolid depois de levar um baile do Neymar, potencializam uma tendência, esteja certo disso. Uma parte da imprensa madrileña, que detestava Mourinho, já recebeu a munição com muito prazer e não para de falar no assunto. Nada que seja uma grande novidade para Neymar, que paga por ter semeado tantos anos por aqui fazendo suas gracinhas, mas mesmo assim é algo que não tem prejudicado tanto seu jogo. Só que hoje a situação é outra, o tamanho da encrenca no contexto europeu é desproporcional e há um cheiro de campanha mesmo, uma cruzada para influenciar árbitros e adversários, o que pode ser problema para Neymar no aspecto técnico, uma tentativa de intimidação que no mundo dos medíocres do futebol sempre se faz com os mais talentosos. O maior medo por aqui é que parta do próprio Barça alguma iniciativa de limitar a ação do garoto, um pedido para que ele seja mais contido nos dribles e nas arrancadas.

Carles: Não mesmo, a não ser que seja para melhorar o jogo coletivo, pedir para ele maneirar na expressividade do jogo seria como tentar censurá-lo. Esse tipo de campanha que se atribui à imprensa europeia na verdade é, como sempre, obra da "caverna", como chamamos por aqui um certo setor obscuro, rançoso, conservador, católico, nacionalista e monárquico. Com grande representatividade na "Casa Blanca", mas não só nela. Quanto menos eco melhor. Se o Barça quer fazer alguma coisa, tem que jogar esse jogo no mesmo campo, nos microfones, nas páginas de jornais, nas telinhas. Se existe uma campanha e o risco de influenciar as arbitragens, tem que se deixar claro que não marcar as faltas e deixar o pau comer para frear as arrancadas de Neymar é prejudicar o time. Pode ser que o efeito não seja o mesmo que a difamação sobre o talento do garoto para o drible, mas vai ajudar a minimizar os efeitos.

Edu: Essa preocupação vai crescer porque temos um panorama bem claro no que diz respeito à postura de Neymar: ele gosta de fazer as coisas assim e se sente à vontade com situações crispadas. Sua volúpia por jogar cada vez mais é incontida e nesse ponto ele é idêntico a Messi, quer estar presente sempre e no nível máximo de intensidade. Seu crescimento no Barça, que inclui um entendimento perfeito do modelo, é visível. A bem da verdade, Neymar está até contido para os padrões dele, equilibra a troca de passes com as arrancadas, faz questão de mostrar aos líderes que joga para o time. Ou seja, está ganhando moral e segurança, o que significa que a turma da mediocridade vai sofrer bem mais do que já sofreu. Ninguém gosta de ser humilhado com dribles e enquanto for o Valladolid, tudo normal. Mas logo virão Real Madrid e adversários mais fortes da Champions, o que explica a tal campanha.

Carles: Conheço bem menos o Neymar do que você mas a impressão que tive dele é que parece mais capaz de racionalizar, mesmo esse talento intuitivo, do que possa imaginar a vã filosofia humana. Tenho a clara sensação de que ele pensou muito bem tudo o que está fazendo, consciente de que no Barça ele começava não de zero, mas muitas coisas ia ter que reconquistar. Por isso ele dosifica, mas nem acho que esteja esperando o momento certo para soltar a franga. Acho que está disposto a uma adaptação que não significa necessariamente fazer um jogo monótono e tedioso, mas usar suas armas nos momentos certos. Os passes de gol que ele tem dado dispensam uma finta no meio de campo, são obras de arte e preservam a canela. Mas o drible desconcertante em Arbeloa no clássico vai ser inevitável, ou no Juanfran, ou no Ivanovic - e esses, meu amigo, têm lobby. Vai ter chororô, quer queira quer não. Conte com isso. Só que, se tiver chororô, é sinal de que o garoto fez o que tinha que fazer e deixou mais de um pelo caminho. E isso, salvo os hematomas, é uma boa notícia para o futebol.

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Edu: Queremos mais é que ver isso, e muito. Você sabe muito bem que nos dá um prazer imenso ver zagueiros prostrados pelo caminho - é um traço cultural um tanto inconsequente, mas bem divertido. Só esperamos que a galera 'culé' adote de uma vez esse carinho pelo desfrute e receba os inconformados com mais dribles, rejeitando essa onda de mediocridade.

Carles: Se a jogo fantasioso de que vocês tanto gostam não for incompatível (ficou demonstrado que não) com a produtividade que até agora ele demonstrou ser capaz, conte com a compreensão e cumplicidade 'culé'. Tem mais, quanto mais jogo bonito melhor. Aqui, aí e na Terra do Fogo.

 

 

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