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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Mitroglou e Samaras puxam a fila do exótico perfil grego

Carles: Se a história grega chega a se confundir com a da própria civilização, a do futebol já é bem menos expressiva. Apesar de que uma Eurocopa não é um prêmio nada desprezível, considerando o peso dos gregos na modalidade. E, se não, pergunte ao Felipão que viu de pertinho.

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Em casa, com a torcida portuguesa pegando fogo e um time lançado, Felipão conseguiu perder aquele título graças ao célebre gol de Charisteas e na jogada preferida do gaúcho: bola alçada e gol de testa. Parecia o advento de outros tempos para o futebol do Mar Egeu, mas foi só um espasmo. A Grécia continua uma seleção periférica, mais do que nunca, embora seja reduto de algumas das mais fanáticas torcidas do mundo.

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Carles: Compreensível. Corria então o ano de 2004 e, logo em seguida, a Europa foi atropelada pela nossa crise mais contemporânea. Sobrou para todos no continente mas principalmente para os gregos, que até viraram símbolo dessa depressão econômica. A Troika desembarcou em terras helênicas nada disposta a fazer concessões, reduzindo a pó as pretensões contestatórias e de autogestão econômica do povo e tratando de escalar o craque da sua preferência, adepto a jogar na centro-direita, o conservador Antonis Samarás. Ultimamente, Christine Lagarde, Mario Draghi e Durão Barroso escalam mais em Atenas que o treinador Fernando Santos, aliás, mais uma conexão entre gregos e lusos, os grandes danificados nessa história toda.

Edu: Desde 2008 conseguiram transformar um dos berços da civilização ocidental em um vírus, como se os gregos, com seus lindos recursos naturais e uma economia fundada no turismo, pudessem ser a palmatória do mundo, a razão de um surto epidêmico de incompetência como quiseram propalar. Pois, mesmo sendo tragado pela crise, o futebol grego ganhou um pouco de oxigênio a ponto de, em 2011, a rede de TV Nova Sports ter assinado o maior contrato da história com o campeonato local, algo perto de 200 milhões de euros para os direitos de transmissão por cinco anos. E esse elo com os latinos tem história. Veja quem é o treinador do principal clube de lá e os craques argentinos e brasileiros que já passaram tanto por Olympiakos, onde brilha o espanhol Michel, quanto por Panathinaikos e AEK, entre eles campeões mundiais como Rivaldo e Gilberto Silva.

Carles: Michel é aquele mesmo do gol fantasma a Carlos no Brasil-Espanha da Copa 1986. A bola que entrou e o juiz não deu e que junto com o gol contra a Coreia em 2002, seguem engasgados. Como treinador do Olympiakos, em dois anos ele já conseguiu duas Superligas, uma Copa e quase elimina o United nesta Champions. Da seleção grega não se espera tanto, apesar de que, dando uma olhada no famoso ranking Fifa, eles aparecem como décimos, só por trás da Colômbia no grupo que é quarta e bem à frente dos marfinenses, 21º e dos japoneses, 47º. Isso não quer dizer muito né? No último amistoso tomaram um 2 a 0 em casa da República Coreana que aparece no 56º posto, jogando em casa.

Edu: As duas participações dos gregos em Copas até aqui foram um desastre. Lembro bem de Pelé, que como palpiteiro é tão bem sucedido quanto como cantor, prevendo que a Grécia seria a grande surpresa da Copa de 1994. Os gregos não só tomaram três chacoalhadas como não fizeram nenhum gol e terminaram na última colocação entre as 24 seleções. Agora, o português Fernando Santos, ex-futebolista que chegou a ser campeão pelo Porto, onde era chamado de 'engenheiro', tenta renovar a seleção, mas ainda não teve coragem de formar um time sem os decanos daquela conquista de 2004, Kostas Katsouranis, meio-campista de 34 anos, e o interminável Giorgos Karagounis, 37, capitão e cérebro, com 125 jogos na equipe nacional, e recém rebaixado com o Fulham na Premier League. Mas acho que não há dúvida que o grande nome do time hoje está no ataque, certo?

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Carles: Imagino que você se refira a Konstantinos Mitroglou, ex estrela do Olympiakos de Michel e que também acaba de cair para a segundona inglesa junto com o resto do Fulham. Mas também teremos o 'Jesus Cristo Superstar' dos gregos, Giorgios Samaras, que este ano foi espectador de luxo nas melhores apresentações europeias de Neymar, nos confrontos entre o time dele, o Celtic e o Barça. Agora, convenhamos, ser atacante da seleção grega também não é muita vantagem. Para aferir as reais condições do seu time na Copa, antes da estreia contra a Colômbia no dia 14 de junho em BH, o luso Santos vai dispor de dois amistosos: no dia 31 contra os portugueses, para variar, e contra a seleção boliviana já em junho. Ou muito me engano, ou você não põe muita fé no estilo mesquinho dos gregos. Será que vemos Mitroglou, Samaras e companhia nas oitavas?

Edu: A menos que uma nova epopeia seja escrita com inspiração nos deuses do Olimpo, esse exótico time grego não vai passar de uma atração curiosa da primeira fase. Ainda mais porque fará dois de seus três jogos no Nordeste (contra os japoneses em Natal e contra os marfinenses em Fortaleza), e não consigo visualizar Katsouranis e Karagounis levando o time nas costas debaixo de um sol a pino. Por outro lado, jogadores como Mitroglou e Samaras certamente serão atrações porque tiveram grande visibilidade por aqui com a Champions e porque normalmente é o que acontece com as individualidades das equipes secundárias. Para tentar uma adaptação melhor ao clima, os gregos montaram seu quartel-general nos arredores da terra de Diego Costa - vão se concentrar em Aracaju. Tenho impressão que as praias de Sergipe vão guardar boas recordações da rapaziada.

Carles: E eles, das praias sergipanas. Provavelmente, pouco mais se conte da história grega nesta Copa.

 

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