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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

'Los ticos' desafiam os gigantes do grupo da morte

Edu: Não é preciso ser uma nação endinheirada para ter um altíssimo nível de consciência ambiental, ser considerada uma das mais transparentes democracias do mundo, ter o melhor índice de moradia da América Latina e níveis de segurança e liberdade de imprensa de fazer frente aos nórdicos. Além disso, ali está um sistema de saúde situado entre os cinco mais eficientes do planeta.

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Foi a primeira nação do mundo a abolir o exército, em 1948, antes mesmo da Islândia. Claro que por ocupar uma região considerada estratégica, inclusive para os EUA, quantos menos exércitos por lá, menos ameaças de golpes de estado. A verdade é que a polícia é quem faz às vezes de exército nas questões internas e uma eventual proteção das fronteiras ficaria a cargo do exército dos EUA. Há quem diga que se trata de um espécie de protetorado norte-americano. Eu também, se fosse vizinho desse fantástico jardim, trataria de protege-lo. Mas se o jardim fosse meu, não sei se desejaria essa "proteção"...

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Edu: As fantásticas paisagens naturais da Costa Rica são mesmo um dos bons motivos para que esse país com uma população correspondente a menos da metade da paulistana forme um pequeno recanto feliz em plena América Central.

Carles: Também tem um Estádio Nacional espetacular, construído por 1.800 operários chineses e com capital chinês, em troca, dizem, de que o governo da Costa Rica deixasse de negociar com o concorrente comercial, Taiwan. Eles conhecem sua importância estratégica e não hesitam em usar sua capacidade de sedução. Também pode ter influenciado o fato de o presidente da Federación Costarricense de Fútbol ser Eduardo Li, de ascendência chinesa, aliás uma colônia importante por lá.

Edu: Segundo Eduardo Li, a participação na Copa era uma dívida com a população... Só faltaria mesmo a Costa Rica ser top no o futebol, o esporte mais popular do país. Mas isso pouco importa, para eles é suficiente conviver com esse sonho tanto que, hoje, vivem um momento especial ao preparar sua seleção para sua quarta participação em Copas do Mundo.

Carles: Curiosamente, uma seleção que só agora atinge o Top 35 do Ranking Fifa, já em 1960 vencia o Brasil por 3 a 0, no campeonato Panamericano, justo dois anos depois da primeira grande conquista canarinha. Nas Olimpíadas de 1984, em Los Angeles, carimbou a faixa de campeã da Itália (na Copa da Espanha de 1982) e para não perder o costume, em 2012, meteu 2 a 0 na campeã Espanha que conseguiu empatar a duras penas, nos últimos cinco minutos.

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Edu: Essas pequenas celebrações comprovam como é possível ser feliz com simplicidade. Los Ticos, como é chamada a Seleção, festejaram demais a conquista da vaga para vir ao Brasil e consideram este Mundial um marco para o futebol do país. Quando marcou outro dia na Champions um golaço pelo Olympiakos contra o United, Joel Campbell, que faz 22 anos durante o Mundial, chamado pelos paisanos como La joya tica, falava justamente da felicidade que aquele gol representou, só comparável ao dia da classificação para a Copa.

Carles: Pude ver a transmissão pela tevê costarriquenha dos últimos minutos do jogo que garantiu a classificação de los ticos. Com a tela dividida, de um lado, a ansiedade e nervosismo dos jogadores de Costa Rica, ainda no vestiário do Estádio Nacional de Kingston, instantes depois do empate com a seleção jamaicana e na outra metade, o final do Honduras-Panamá ainda em andamento. Com a apito final em Tegucigalpa e o empate que a garantia de classificação, a delegação começou uma impressionante festa que se prolongou pelas ruas da capital San José, digna da conquista de um título mundial.

Edu: Também andei vendo uns jogos dos costarriquenhos nas eliminatórias e me pareceu um time bastante aguerrido, ambicioso, que não deu moleza para Estados Unidos e México, terminou com a segunda colocação (só atrás dos EUA) e conseguiu a vaga sem precisar das últimas rodadas. Campbell, cujo passe ainda pertence ao Arsenal, é hoje o grande nome do time. Mas não só ele. O capitão, Bryan Ruiz, atacante do PSV, foi o principal rival de Luisito Suarez, quando o artilheiro do Liverpool jogava pelo Ajax.

Carles: E não se esqueça do meu vizinho Keylor Navas, que joga no Levante, considerado a revelação, melhor goleiro da Liga e um dos melhores do continente. Segundo os noticiários, é pretendido pelo Barça e outros clubes grandes da Europa.

Edu: Falam maravilhas também de um garoto de 21 anos, Jairo Ruiz, atacante do Lille, embora sua escalação entre os titulares dependa da ousadia do treinador colombiano Jorge Luis Pinto, que não deve escalar três atacantes (Campbell e Bryan são intocáveis), já que participa da chave mais complicada da Copa, o grupo da morte. Costa Rica estreia contra o Uruguai, no Castelão, em Fortaleza (depois enfrenta a Itália em Pernambuco e a Inglaterra no Mineirão), e pode até se beneficiar de uma certa desconcentração dos concorrentes, que solenemente ignoram o patinho feio da América Central.

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Carles: Quanto ao treinador, o colombiano Pinto é um sujeito populista, que conquistou a imprensa nacional porque nunca nega uma entrevista, mesmo no ônibus da delegação, a caminho de um jogo tenso e decisivo. Também é capaz de chegar às lágrimas ao vivo, pela classificação da seleção que o emprega. Hoje ocupa o cargo que já foi do trotamundos treinador sérvio Bora Milutinovi?, aliás responsável pela ótima campanhas da tricolor na Copa de 1990, bem ao estilo dele, vitória por 1 a 0 sobre a Escócia, derrota para o Brasil também pela mínima e vitória sobre a Suécia por 2 a 1, até a derrota nas oitavas para a Checoslováquia. Los Ticos já contaram com vários brasileiros no comando técnico, entre eles Renê Simões e o responsável nas Copas de 2002 e 2006, Alexandre Guimarães que não conseguiu levar a Costa Rica além da fase de grupos.

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Edu: O curioso é que - já que falamos em nórdicos - o futebol de Costa Rica tem uma inusitada ligação com os países escandinavos. Muitos jogadores revelados no campeonato local fazem a rota do norte sem passar pelos grandes centros europeus. O time titular que estará no Brasil tem uma parte da base atuando naquela região. O bom lateral Cristian Gamboa joga na Noruega, pelo Rosemborg, e veio do Copenhague depois de ser um dos destaques do time sub-20 que ficou em quarto lugar no Mundial do Egito, em 2009. O volante Celso Borges, com 56 partidas pela Seleção, foi direto do Saprissa, principal time do país, para o Fredrikstad, da Noruega, e hoje é titular do AIK de Estocolmo, enquanto seu parceiro no setor de criação, Christian Bolaños, 59 partidas pela seleção, joga no Copenhague desde 2010. A galeria dos mais experientes tem também uma das referências da equipe, o lateral esquerdo Junior Diaz, do Mainz 05.

Carles: É o caso do veterano Randall Brenes, um habitual reserva da seleção que foi o revulsivo no jogo contra a Jamaica e autor do gol que classificou sua seleção para a Copa. Brenes começou no clube da sua cidade natal, o Cartaginés, para onde retornou depois de fazer carreira na Noruega e de uma rápida passagem pelo Azerbaijão.

Edu: Por tudo isso e por outras coisas que estou certo que os ticos não vêm passear no Brasil. Os gigantes que se cuidem, mesmo porque times como esse conquistam rapidinho a simpatia da torcida brasileira e costumam ficar inflados com um apoio caprichado das arquibancadas. A Costa Rica, além de tudo, vai ficar hospedada em um local de inegável inspiração. Vão se concentrar em Santos e se preparar no Centro de Treinamento Rei Pelé, nada menos. Haja mito.

 

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