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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Guardiola pagou o jantar, Ancelotti beijou a moça

Carles: Não penso dar a mínima chance (pelo menos de saída) para que você repita o blá-blá-blá sobre os "erros do meu amigo" de Santpedor, por conservador, por preferir o apenas correto Kroos em detrimento de Götze e Müller... Em vez disso, prefiro a empatia com meu amigo Mou e sua ojeriza às divas, como as duas do Bayern que hoje conseguiram consagrar Carvajal e Coentrão, este com a inestimável contribuição de Rafinha. Mesmo assim, o Bayern saiu de Madrid 'vivito y coleando'...

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Sair vivo é um consolo, não mais do que isso. Robben ao menos foi mais dinâmico, mas Ribéry, faça-me o favor. Bom, não me surpreende porque nunca fui um admirador do seu jogo, me parece um sujeito sempre indefinido entre fazer o próprio nome (claro, diva que é) ou ser uma peça de equipe, o que faria dele um jogador melhor. Assim mesmo, você acha que o Bayern saiu derrotado do Bernabéu só por ter um prima donna de cada lado do campo? Foi o Bayern que perdeu ou o Real Madrid que ganhou?

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Carles: 'Tanto monta monta tanto', costuma-se dizer por aqui. Não foi só por causa das divas, mas sobre elas recaía a responsabilidade de transformar um time comum, bem articulado em um digno aspirante ao título. Robben foi dinâmico, sim, mas foi tão estéril quanto a diva francesa. Ancelotti não surpreende nunca, mas é um especialista em dar o bote. Como ouvi o seu amigo Relaño definir hoje "el Real Madrid es un equipo siempre lejos de la porteria y cerca del gol" (sorry, mas em português a frase perde 80% do efeito). Isso é uma herança dos tempos de Mou, que Ancelotti organizou, deu mais efetividade, sempre com seu desenho tático da "árvore de Natal", um 4-3-2-1 letal e rapidíssimo nas transições, frente ao mínimo erro do adversário, seja o Elche ou o Bayern. Respondi?

Edu: Em parte sim, mas me permita dar um toque sobre o moço de Santpedor, sem querer te ofender. Pep Guardiola tem como norma pedagógica que seus times tenham 70% de posse de bola e façam não sei quantas centenas de passes por jogo. Dessa forma, ele vai ganhar quase sempre, segundo a cartilha. Ok, mas e quando faltam ideias? Será que eram Robben e Ribéry os responsáveis pelas ideias ou o técnico tem a ver com isso? No caso de Guardiola tem tudo a ver, porque é um déspota no aspecto tático. Fazer um time ter 70% de posse e quem se serve do banquete é o adversário é uma explicação para o mal-estar que o estilo do catalão tem causado na Alemanha e entre boa parte dos treinadores europeus de primeira linha, sejam eles Mourinhos ou Klopps. E na cúpula do Bayern também. O chefão Beckenbauer foi assim de claro logo que o jogo terminou: 'Posse não é nada se o rival é quem tem as oportunidades'. O Bayern lembra aquele cara com um carrão, roupas de grife, bem articulado, conhecedor de vinhos, que convence a gata do pedaço a sair pra jantar, mas não descola sequer um beijinho no fim. Em outras palavras, Pep pagou a conta e Ancelotti beijou a moça.

Carles: O Bayern tem mais corneteiro por metro quadrado que o velho Palestra, inventor do ofício. E usando sua própria analogia, o adversário deu o primeiro bocado, não se serviu de nenhum banquete todavia. Era só a entrada e, se não se cuidar, vai virar o prato principal, a sobremesa, o merengue diluído no cafezinho e o que mais vier lá no Allianz Arena. Segue sendo um convidado voraz e tudo pode acontecer, mas sintomático foi o gesto de Guardiola na metade do segundo tempo pedindo cabeça ao time. Desconfio que ele não se referia só a estes 90 minutos. Quando à lei das probabilidades, que funcionam mas têm sempre um contraponto, pensei que o admirador dos números aqui era você... E, por último, como a coisa vai de imagens metafóricas, lembre-se de que a tal moça deu um inocente beijinho no rosto do italiano mas ainda não decidiu com quem vai dançar o fado em Lisboa.

Edu: Tem razão, total, lá no Allianz pode ser uma história bem diferente. Falo do que já aconteceu, você imagina o que irá acontecer. Assim vai a vida. Mas, se em Munique o Bayern jantar o Real Madrid não será nenhuma surpresa, primeiro porque é o atual campeão, segundo porque joga em casa, terceiro porque é mais time para meio mundo, sendo que a outra metade agora está em dúvida. O que questiono - insisto, em cima do jogo que acabou agorinha - é o modelo de toque e de bola no chão ter optado desde o primeiro minuto, com uma sanha incontrolável, pelos cruzamentos na área. Tive a pachorra de achar essa estatística (já que aprecio os números) no site da UEFA: 38 bolas levantadas! Tenho certeza de que você detesta esse tipo de jogo.

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Carles: O que são as convicções, hein? Hoje ouvi um narrador-torcedor madrileño da Cadena Ser dizer, quando o Bayern estava dando um banho de bola, antes do gol, como se fosse uma vantagem: essa é a diferença entre aquele Barça que não jogava uma bola na área e este Bayern que põe todas na "holla". É evidente a diferença de estatura (física) entre catalães e muniquenses. Mas nesse momento, o Bayern atacava por cima, por baixo, por terra, por ar e por mar, até que veio a ducha de água fria do contra-ataque impecável. Até então os cruzamentos eram um recurso adicional, uma alternativa legítima. Sim, foi o Madrid que ganhou e o Bayern não soube empatar ou preferiu assumir o risco calculado de levar a decisão para Munique com uma renda em contra relativamente administrável e reversível. Tem razão, nem gosto do excesso de cruzamentos nem da tática conservadora, mas um segundo gol complicaria muitíssimo as coisas. E lembro que ainda chegaram chances claras de Götze e Müller que nada tiveram a ver com cruzamentos. Para dizer a verdade, eu teria entrado com os dois desde o início.

Edu: Enfim, concordamos em algo...

Carles: E digo mais, não começaria com Mand?uki?... seguimos de acordo?  Não né?

Edu: Discutível. O croata foi o melhor atacante, único que fustigou Pepe e Ramos. Mas o diálogo seguirá.

Carles: Pelo menos outras 80 vezes.

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