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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Gestão também ganha títulos

Edu: Há pouco mais de seis meses você perguntava em quem apostar no Campeonato Brasileiro. Falamos que quatro ou cinco clubes, dos quais, sobrou o campeão Cruzeiro, que encontrou uma fórmula eficiente como poucas vezes vimos por aqui. Daquela lista de favoritos, o Fluminense ainda se debate para fugir do rebaixamento, o Corinthians virou o fio e fez uma campanha ridícula e o Grêmio perdeu um tempão afundado no 'modelo Luxemburgo'. Esse título do Cruzeiro é antes de tudo a vitória de uma gestão equilibrada.

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Ou seja, o discurso, meio desabafo, do presidente Pinho Tavares não é mais um entre tantos? Pelo que sei, a única estrela do time é Júlio 'La Bestia' Baptista e não deve ter sido difícil levá-lo de volta, suponho, que a intenção dele era mesmo essa, a de voltar. Outras coisas ditas aqui no 500 aC e parece que esse time do Cruzeiro ratifica, jogo de conjunto, mas com bons jogadores de meio campo e contratações estilo garimpo, no velho e bom interiorzão que já deu tantos craques ao Brasil. É isso?

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Edu: Em boa parte é isso. Júlio é uma estrela 'a medias', como vocês dizem, porque nem foi titular na maior parte do tempo e não tem temperamento de 'diva', por isso caiu bem no time. A aposta foi por um modelo de time operário, mas com alto padrão coletivo, um caminho que teve tudo a ver com a proposta de um técnico ainda não consolidado na carreira, Marcelo Oliveira, por sinal um ex-jogador com história toda vinculada ao rival Atlético. Por exemplo, jogadores que outros times desprezaram, como Borges (ex Santos e Grêmio) e Dagoberto (ex-São Paulo e Inter) aceitaram participar de uma composição de 15 ou 16quase-titulares sem a exigência de jogarem sempre. A mescla com jovens e outros que já tinham mostrado bastante eficiência, como o ex-corintiano Willian, campeão da Libertadores, resultou em um time competitivo, solidário e disciplinado. E toda a campanha foi minimamente calculada, em nenhum momento o Cruzeiro precisou de sorte aqui ou ali. Foi pura competência.

Carles: Bom, o Willian também foi uma repatriação do Metalist ucraniano, não? É um time solidário mas com qualidade, ao que parece, com as peças ajustadas e engraxadas. Ou seja, jogadores pelos que ninguém dava muita coisa, mas que acabaram se convertendo num conjunto sólido. Quero saber desses jogadores sem muita fama, do futuro dessa equipe e de seus componentes. Foi só o fator surpresa ou cada uma dessas individualidades multiplicou seu valor de mercado? É um time "obrero", não muito diferente daqueles Fluminense e Corinthians que poucos craques venderam, o Conca parece que está voltando... O Atlético tinha uma que outra diva e vendeu o Bernard. A minha outra questão é essa, o futebol brasileiro, reconhecido pelos valores individuais, está se transformando? Optou ou as circunstâncias obrigaram a adotar um modelo pragmático? Ou é algo ocasional? Sei que se você conhecesse todas essas repostas, poderia assessorar e resolver as inseguranças dos clubes mas, diga-me qual você acha que é a tendência? Asseguro que ando meio perdido com o presente e o futuro do futebol brasileiro, não sei a que pensar.

Edu: Não tenho a mínima dúvida de que o modelo está mudando. Nos últimos 10 ou até 15 anos os títulos têm ficado com os times solidários, com raras exceções como o Santos de 2002 e 2004, que tinha Diego e Robinho, o Corinthians de Carlito Tevez e Nilmar e o Flamengo de Adriano, que eram times como força individual reconhecida. As 'divas', ou por circunstância de mercado ou por não se adequarem ao modelo econômico dos clubes, têm sido menos determinantes, essa é a verdade. O caso do Willian é sintomático. O Cruzeiro se livrou de um problema, vendeu Diego Souza para o Metalist e recebeu de contrapeso no pacote o atacante ex-Corinthians. Se você ponderar que mesmo o Atlético, em que pese a presença do Gaúcho, é um time 'obrero' e ganhou a Libertadores, então só pode ser mesmo uma tendência. Além disso, essa vitória do Cruzeiro corta uma preocupante série de monopólio de títulos divididos entre o eixo Rio-SP. O último que havia sido campeão fora desse circuito foi o próprio Cruzeiro, em 2003. Os gaúchos não levantam um Brasileirão desde 1996.

Carles: Insisto, imaginemos que eu sou um olheiro a serviço de um clube europeu, quem você me indicaria desse time, quem eu levo? Ou essas peças fora desse esquema não vão funcionar? E não digo que seja para times que só contratam estrelas ou craques consagrados. Que nomes com um futuro prometedor você destacaria, versáteis, com bom toque de bola, visão de jogo e inteligência dentro de campo... Sei que parece uma descrição do Neymar, mas não é o caso. Quero o talento brasileiro de toda a vida e com grande capacidade de entender rapidamente o modelo europeu. Ou um deles, ao menos.

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Edu: Há bons jogadores, sim. O time não teria segurado uma campanha tão redonda sem esse material humano. O goleiro, Fábio, já foi mais irregular mas hoje é um dos melhores do país, aos 33 anos; Dedé, zagueiro, ex-Vasco, deve estar na Copa, tem precisão, velocidade, intuição e vai muito bem no jogo aéreo; Nilton, um volante revelado pelo Corinthians e com boa passagem pelo Vasco, amadureceu demais e teria lugar em qualquer clube europeu que necessitasse de um marcador tradicional nessa região do campo; Willian dispensa apresentações; Éverton Ribeiro, outra revelação do Corinthians e que andou pelo Coritiba, chegou ao auge de sua carreira e há quem peça para ele uma chance na Seleção; e principalmente duas das grandes novidades do campeonato, os meias-atacantes Ricardo Goulart e Vinícius Araújo, este revelado pelo próprio Cruzeiro e que já tem lugar na Seleção Sub-20.

Carles: Não sei se é motivo de orgulho para os corintianos ver tantos jogadores formados ou com passagem pelo clube jogando e ganhando títulos fora de lá. Eu diria que algo não funciona como deveria. E o campeonato, sem a sua fórmula favorita, com playoffs, está decidido a quatro rodadas do final. Num panorama geral, acabou toda a emoção? Continua vigente o conceito de se não for campeão é perdedor? Ou o modelo de torcedor também mudou, persistem vivas outras disputas, tais como o rebaixamento, ou melhor, para evitá-lo. Ou ainda vagas nos torneios continentais, certo?

Edu: Por rebaixamento ainda tem alguma briga, além de uma vaga para a Libertadores, se tanto. O fato é que o Cruzeiro foi campeão ontem na aritmética, mas já está com esse título assegurado há semanas, como apontamos aqui. Tanto que a maior discussão do momento (menos para a torcida do Cruzeiro) ainda são as reivindicações do Bom Senso FC, o que mostra que o torcedor também não está satisfeito com a fórmula atual de disputa. Ou seja, quase nada emocionante neste fim de temporada, exceto pelo Galo, que vai disputar o Mundial de Clubes. Foi definitivamente um ano mineiro, com vitórias de gestões à moda mineira.

Carles: Evidente que o assunto do Bom Senso FC, de alguma forma, centralizou as atenções do futebol nacional, o que não deixa de ser uma boa notícia. Verdade, inicio de dezembro tem a décima edição do Mundial de Clubes, não tão longe daqui, em Marrocos, e pela segunda vez seguida, sem representante espanhol. Quem sabe esse confronto Bayern-Atlético, se ambos forem finalistas como se espera e com a promessa do reencontro entre Pep e Rony, motiva. Como chega o Galo para essa disputa?

Edu: Parece bem, concentrado, manteve a pegada, fez um Campeonato Brasileiro digno. E luta para recuperar o Gaúcho, que teve aquela lesão grave. Nem acho que o pior seria não contar com ele. O grande desfalque mesmo é Bernard, que poderia ser decisivo numa tentativa de quebrar o esquema do Bayern. O certo é que o Galo é um time muito competitivo, é o que dá para garantir.

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Carles: Aguardemos, então, em meio à série de amistosos em que se transformou a reta final do Brasileirão.

 

 

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