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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Estética do pragmatismo

Edu: Vejo nos jornais daí, nos últimos dias, uma preocupação recorrente e uma certa pressa em se definir o modelo de jogo dos dois grandes, Madrid e Barça. Se o contra-ataque deve ser descartado, se a posse de bola ainda é o melhor caminho (no caso do Barça), se é possível montar um padrão híbrido, se a velocidade dos jogadores vai determinar o tipo de jogo (no caso do Madrid). Essa discussão tem algo a ver com uma preocupação estética ou é só ansiedade por determinar o rumo que as equipes vão tomar em função dos resultados e dos jogadores que têm a disposição, incluindo as duas principais novidades, Neymar e Bale?

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Um pouco de ansiedade tem, para que tentarmos nos enganar? Até o mais cego dos nacionalistas já percebeu a perda de força dos times da 'Liga de las Estrellas', mesmo nos casos os dois grandes. As temporadas por aqui costumam começar com o discurso sobre o favoritismo dos dois ao título continental. Agora se fala em oito favoritos, incluindo, claro, o produto nacional. A desconfiança sobre as próprias possibilidades cria urgências e muuuuuuuuuuita incerteza, pois, além de tudo, mudaram os dois treinadores. O pessoal anda desesperado com o excesso de confiança demonstrado tanto Tata como Carletto. Tem coisas que vão ficando claras, provavelmente com Neymar, o Barça vai ser mais profundo, menos compacto. Nesta semana, testou-se a mudança de modelo durante o jogo, com a entrada de Xavi e saída de Neymar, o Barça trocou, numa única jogada, 27 passes, talvez mais do que no resto da partida, e acabou saindo o quarto gol. No Madrid, o acelerado Modri? segue o ritmo dos dois puros-sangues lá na frente, mas Isco cadencia um pouco mais. Nem acho que isso possa criar incompatibilidades, mas proporcionar uma certa riqueza de recursos, de alternativas. Lógico a intenção é sempre criar polêmica, gerar debates às vezes estéreis. Ancelotti acaba de declarar que o time vai ter mais a bola, mas que nada impede de que cheguem ao gol com 3 toques em vez de 30. Questão de inteligência, segundo ele.

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Edu: Um craque do mídia training! Pois, mesmo assim, me parece um debate interessante, principalmente visto da nossa perspectiva. Por aqui, no máximo que discutimos é se tal treinador é retranqueiro, se usa três zagueiros e uma dupla de volantes para se proteger, se opta por priorizar as jogadas de bola parada. Raras vezes alguém levanta a hipótese de se discutir um pouco de estética, em detrimento do pragmatismo. Por exemplo, a grande virtude do Cruzeiro, líder disparado do Campeonato Brasileiro, é a eficiência. As mudanças de modelo dos dois grandes da Espanha têm, claramente, uma certa visão estética, principalmente por parte do Barça, que teria que contrariar o que deu certo nos últimos anos. Seria trocar o vistoso pelo eficiente, me parece...

Carles:  A ponto de o treinador argentino estar, em todo momento, tentando apaziguar, tranquilizar garantindo que nada vai mudar, que ninguém veio para distorcer o modelo de ninguém. Mesmo que Piqué insista, como quem acaba de ser liberado do transe em uma sessão de exorcismo, que durante um tempo "fomos presa da ditadura do tiqui-taca", que "não tem nenhum problema em ter alternativas na manga, de fazer alguma jogada na base da bola voando da defesa ao ataque". Sintoma que já tem um trabalho de convencimento dentro do vestiário. No Madrid naturalmente, este ano, que o time vai ter mais a bola, menos do que nas temporadas passadas, algo impossível já que com a tática do português, o time ganhava na base da galopada a três toques. Com contra-ataque de luxo, de milhões de euros, mas contra-ataque, afinal de contas.

Edu: Mesmo assim, ainda que se faça um pouco de espuma, não deixa de ser uma conversa saudável sobre o que veremos na Liga e na Champions a longo prazo, algo que por aqui é impensável num campeonato em que a caça aos resultados ofusca todo o resto. Basta dizer que, na quinta-feira, em um jogo de rotina contra o Bahia, o inventivo Dunga colocou não um ou dois, mas três volantes no Internacional, um teórico candidato ao título. Não é um absurdo em se tratando de quem é, mas o fato cruel é que nos acostumamos a conviver com algumas aberrações sem ao menos levantar a sobrancelha. E o Inter perdeu o jogo! Enquanto isso, o Barça está preocupado se o time vai depender mais das individualidades do que do coletivo...

Carles: Claro, você tem razão que o mais importante nisso tudo é a debate, a consciência de que não basta ir em busca de resultados, mas que eles sejam a consequência de um trabalho de planejamento. Quem sabe o problema não seja que o futebol brasileiro não precisou até hoje sofisticar um debate graças a esse futebol intuitivo e à sobra de talento no campo. Com tanto craque é só preparar um par de fórmulas desgastadas: para proteger a vantagem de um gol, colocar um montão de volantes e para marcar um gol, trocar o centroavante. Daí, é só sentar no banco. E de vez em quanto esbravejar um pouco, claro. Só quando se vive uma certa escassez de recursos humanos, é que fica patente que falta um ser pensante no margem do gramado.

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Edu: Enquanto o problema do Barça é se Neymar e Messi vão comprometer um estilo de jogo já consolidado, aqui o Dunga põe três volantes cascudos...

Carles: E se o Dunga tivesse os dois, seria capaz de proporcionar diversão ou seguiria armando seus times com muros de contenção?

Edu: Dunga jamais estaria num time com craques desse quilate. Mas, se servir de parâmetro, na chance que teve de treinar a Seleção que já ganhou cinco vezes a Copa do Mundo, armou um festival de antijogo, nem pragmático foi, e deu no que deu. Melhor tirarmos a estética dessa conversa.

 

 

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