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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Entre polvos e pitonisas

PREVISÕES PARA A COPA

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Na semana que antecede o início da Copa as previsões se multiplicam por aqui, de acordo com a origem do feiticeiro. Alguém descobriu uma fórmula matemática, de experts austríacos, que cruza planilhas e conclui que o Brasil será campeão. Outros levantaram uma história de coincidências, fundadas em numerologia, que comprovam ser 2014 o ano do Uruguai. Sempre haverá uma pitonisa para se candidatar ao lugar do falecido polvo Paul, que a Espanha adotou como mascote em 2010, depois da vitória na África, prevista com rara habilidade pelo molusco adivinho. Assim como o choro, a palpitaria é livre.

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Carles: Tem também a molecada (e alguns menos moleques) que se reúne em torno ao videogame, à guisa de bola de cristal, para simular o torneio. Ou as insuportáveis previsões baseados nas estatísticas, por gente que nunca pisou um gramado mas vive no carpete das grandes corporações financeiras, como o croata Vitomir Miles Raguz, ex diplomata e autor do livro "Quem salvou a Bósnia", de 2005 sobre a Operação Oluja (tormenta). Miguez Raguz defende no seu artigo da edição de 2 de Junho de "The Wall Street Journal", "Why Europe Will Triumph in Brazil" - publicado em espanhol pelo Diário Expansión as chances de alguma seleção europeia ganhar a Copa são maiores, graças "às inovações do continente no futebol que deixam em desvantagem os países sul-americanos". Tudo baseado nos estudos científicos e no investimento dos grandes clubes europeus no desenvolvimento e aplicação desses estudos e, sobretudo, defende ele, graças ao surgimento do mercado comum europeu. Se essa última razão não fosse suficiente para que eu desqualificasse o bom Vitomir, têm também argumentos que dão conta da imponderabilidade do jogo como, por exemplo, os gols de M´bia do Sevilla e de Ramos aos 93 minutos e que acabaram valendo taças europeias recentemente e que não me deixam desmenti-lo sozinho.

Edu: Um dos argumentos aritméticos utilizado por ele é baseado em probabilidades. Algo como: se o esperado ocorrer e 10 europeus passarem às oitavas, junto com cinco sul-americanos e mais um do resto do mundo, as chances de mais europeus seguirem são maiores, um pressuposto que sabemos não existir em futebol (Ramos e M'Bia que o digam). O prezado Raguz, que tem uma ligação com o soccer nos EUA e vive embebido pelas estatísticas do beisebol e do futebol americano, indica dados interessantes sobre os minutos que os europeus mais fazem gols e o crescimento físico nos segundos tempos em relação a seus adversários de outros continentes. Huuum, não sei não. Em algum momento ele derruba sua própria premissa ao ressaltar que, em futebol, 54% das previsões dão certo, enquanto no beisebol e no futebol americano esse índice fica entre 60 e 70%.

Carles: Taí um ponto que eu estaria disposto a conceder a ele, o fato de que é inteligente aprender com os outros esportes, aliás coisa do guru Pep Guardiola. Acho que as estatísticas de eficiência nos sistemas de cobertura, pressão sobre o adversário e domínio do jogo estão mais desenvolvidos esportes que, como já disse alguma vez, estão mais próximos aos jogos de mesa ou à tática militar. Portanto mais previsíveis e, por isso, menos excitantes. Raguz é claramente americanófilo e já sabemos como norte-americano é ligado numa estratégia, eficientes, claro, até encontrar variáveis desconhecidas, como as intempéries no Vietnã ou no Camboja. Outra coisa interessante do artigo é que Raguz utiliza (e manipula um tantinho) a história evolutiva do futebol europeu, onde realmente surgiram as inovações táticas com comprovado êxito. Mesmo assim, seria preciso avisar a ele que uma maioria dos soldados que vão estar nos campo de batalhas da Copa, militam na Europa e já bebem normalmente dessa fonte de conhecimento. E que os treinadores dos times sul-americanos vivem fazendo cursos no velho continente. Talvez com alguma exceção ensimesmada.

Edu: Você sabe que sou um adepto de carteirinha do uso objetivo das estatísticas, mas uma coisa é você tratar disso com dados científicos experimentados e outra é manipular probabilidades com argumentos de lógica e coerência, como um analista genérico, que trata sob a mesma ótica um sistema de saúde e a montagem de uma feira livre. Nosso amigo croata não está considerando, por exemplo, questões externas que num torneio curto destes têm peso 2 - coisas como deslocamentos, clima, tempo de recuperação, maneiras de tratar com as pressões etc. E deve existir alguma forma de ponderar fatores aritméticos com o nível de esgotamento ou de preparo das equipes. O que garante que um time despretensioso como o Japão não virá muito melhor preparado física e mentalmente do que a Inglaterra, cujos jogadores saíram de um campeonato exaustivo e tiveram que trocar de chip rapidinho?

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Carles: Vou voltar a fazer de advogado do diabo e sem que sirva de precedente, dar uma colher de chá ao artigo oportunista do moço. Segundo ele, é provável que os times europeus façam as substituições nos minutos 58, 73 e 79 e isso certifica que se fundamentam em estudos quantitativos do jogo e existe uma sua planificação prévia. Ele tem razão na forma, mas não no fundo da questão. É verdade que existe menos apego na Europa à questão da titularidade e que treinadores como Felipão, Luxemburgo ou Tata Margino quando estiveram por aqui foram muito criticados pela ausência total ou e pela forma caótica com que manejavam as substituições, durante o jogo. Mas isso, meu caro Vitomir, é mais uma questão cultural do que estatística ou científica. Os clubes europeus sempre consideram o time mais além dos onze. Bom, pelo menos antes da época das estrelas patrocinadas e das exigências contratuais da sua exposição durante 80 ou 90 minutos no campo de jogo.

Edu: Só que também essa diferença de cultura é questionável numa Copa do Mundo. Os treinadores sul-americanos, por vezes, são até mais minuciosos na disputa de um mata-mata, ainda mais em território próprio. Felipão é menos, mas já foi pior. Tabarez, Sabella e o pilhadíssimo Jorge Sampaoli são calculistas ao extremo nessa história de manejar as substituições para mudar de ritmo ou tirar uma carta tática manga nos últimos 20 ou 25 minutos, seja para garantir um empate seja para partir para cima. Talvez o que falte na bem intencionada pensata do nosso amigo croata seja o argumento essencial em jogos de futebol disputados no fio da navalha: o fator humano. É no espírito dos jogadores e técnicos sul-americanos para esta Copa em especial que está a grande diferença em relação aos europeus.

Carles: Nessa questão da preponderância do fator humano sobre o resto, vou deixar Raguz sozinho.

 

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