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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Entre o que é e o que parece ser

Edu: Me divirto mais com as estatísticas do que você, ou estou enganado? Acho que os dados não ganham um jogo por si só, mas são elementos essenciais de estratégia, componentes do pré-jogo. E ajudam a desmistificar algumas ideias concebidas de antemão, provando que nem tudo é o que parece ser. Por exemplo, dando uma olhada nos números da primeira fase da Champions, fica evidente que aquela discussão toda sobre a mudança de estilo do Barça é um tanto estéril. Você imagina quem teve mais posse de bola e realizou mais passes nos seis jogos da fase de grupos?

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: A "culezada", claro, com meu primo Xavi sendo campeão de passes sem chamar a atenção, porque ele é assim, de pueblo, discreto e eficiente. O que fica claro é que Cristiano arrasou nas evidências e nos números. Para um fã dos números, você me decepciona, dá pouco valor a eles. Além de elemento estratégico, podem ser também muito conclusivos para um treinador, para um torcedor ou para um jornalista sem preguiça, quanto ao trabalho realizado. E podem fazer justiça a jogadores menos manchetados como Gonzalo Higuian do Napoli e Arturo Vidal da Juve, por exemplo. Os dois acabaram fora da fase final, mas para quem acompanha a Champions ou para quem constata os números agora, ficas claro que trabalharam muito, mais do que muitos jogadores destacados nas primeiras páginas. Não é de se estranhar o pranto incontrolável do franco-argentino ao ver o seu time fora da fase final. Pura frustração.

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Edu: Esse dado sobre o Higuain mostra, por outro lado, como uma individualidade com bons números pode ser relativa para o rendimento do time. O Napoli, muito em função do esquema econômico do seu amigo Rafa Benitez, fica atrás de quase todos os grandes quanto a posse de bola e número de passes. Perde até para times como Zenit e Basel. Mas outra coisa que chama a atenção é o Bayern, que turbinou sua troca de passes a ponto de transformar um caucasiano até a raiz do cabelo, Tony Kross, em um contumaz passador. Obra de Pep Guardiola, claro, você vai dizer. Mesmo assim, quem mais surpreendeu foi o PSG, que só perde para o Barça nesses quesitos, deixando Pep para trás. Venho te falando que Laurent Blanc tem caprichado nesse estilo de jogo, que coloca Thiago Motta e Verratti no top 5 entre os passadores. Thiago só perde para Xavi.

Carles: Mas veja que o problema de Benitez é de valentia. De falta dela, na verdade. Quando chegou para os seis meses como tampão no Chelsea, propôs um esquema diferente do padrão próprio, porque sabia que não adiantava um esquema conservador e já tinha os dias contados em Old Trafford, mesmo. No Napoli, voltou a colocar a cabecinha no modo conservador para garantir o emprego num time médio. No caso do Bayern, um dado em concreto chama a minha atenção, o fato de que Thomas Müller tenha sido um dos jogadores entre todos os participantes, flagrados maior número de vezes em posição de impedimento, um total de oito em seis jogos. Sinal de que Pep e seus meninos germânicos estão ainda em fase pedagógica e que o seu "falso 9" favorito, aprendendo a se posicionar no limite do outside. Guardiola deve estar encantado com a facilidade de mecanização dos alemães. Em contrapartida, os meninos de Pep foram os que mais chutaram a gol, 78 vezes. Um pouquinho mais de tique-taca e seguro que teremos um novo paradigma Guardiola. É bom lembrar que Thiago Motta é produto de La Masía e que durante a sua carreira cansou de bancar o Jakyll & Hyde, oscilando entre o tique-taca e o jogo carniceiro. Por isso, quiçá, já passou por tantos crepúsculos e ressurgimentos.

Edu: Em compensação o Bayern foi um dos times que mais cruzamentos na área fez, bem mais que os ingleses. Nessa cultura dificilmente Pep vai mexer. Falemos, então, de brasileiros, de atacantes, mais precisamente de Neymar. Quem mais chutou a gol não foi Cristiano e sim Hulk, se bem que dos 23 arremates só sete atingiram o alvo, o que não chega a ser surpresa em se tratando de Hulk. A eficiência do português é indecente. Acertou 12 de seus 21 chutes e é o artilheiro da Champions, com 9 gols. Isto é, Em terceiro vem quem? Neymar: 19 finalizações, 10 no alvo e três gols. Neymar, diga-se, foi o segundo jogador do Barcelona com mais metros percorridos em campo, só perde para Xavi.

Carles: Realmente se nota o esforço de Neymar em cumprir o preceito de trabalho duro que somado ao talento pode lhe augurar um futuro brilhante na Europa e não sei se do mesmo lado que Sandro Rosell, interprete como quiser. De todos modos, se não fosse aquele Hat Trick ao Celtic, em pleno Camp Nou e na última rodada, já sem nenhuma tensão, ele despencaria no ranking estatístico o que talvez fosse injusto. Do lado da capital do reino, a minha conclusão é que vovô Fergui segue sendo talvez a pessoa mais importante na vida profissional de Cristiano Ronaldo, já que foi quem ensinou ao funchalense a aprender, sempre. Chegou a Real Madrid como um pródigo batedor de bolas paradas e aos poucos foi evoluindo como finalizador. Enquanto isso, seu arqui-rival, mesmo sem jogar, não deixa de figurar no quadro de honra - Messi marcou 6 gols em 270 minutos jogados (melhor média goleadora). E isso durante os jogos mais duros desta fase, só indo para o estaleiro com o time quase classificado. Uma lembrancinha para a habitualmente escassa memória do futebol, que parece funcionar à razão de rodadas.

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Edu: Só para arredondar sobre os brasileiros - estamos sempre precisando de elogios -, destaco o grande número de conterrâneos fiéis ao estilo verde-amarelo de toque de bola que nos últimos tempos tem sido a marca do Barça. Entre os 50 principais passadores (com passes completados, diga-se), há uma dúzia de brasileiros e em vários regiões do campo. O zagueiro Marquinhos, que tem chamado a atenção pela corretíssima saída de bola, e o eficientíssimo Fernandinho (olho nesse cara!), do City, estão entre eles. Além de cinco laterais, os dois do Porto (Danilo e Alex Sandro), os dois do Barça, lógico, e Rafinha, do Bayern.

Carles: Doncs, visca el tiki-taka!

 

 

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