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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Dunga, um modelo que definha

Carles: O símbolo, como jogador e treinador, da eficiência em detrimento do 'jogo bonito' acaba de ser destituído. E o motivo foi justamente a falta de eficiência, de resultados positivos. Ao menos, o Internacional vinha fazendo um futebol vistoso?

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Seria pedir muito para um time com Dunga no comando. Como já comentamos aqui sobre o próprio Inter no jogo contra o Bahia, é complicado ver jogo fluente com três volantes marcadores, um sistema que declaradamente não nasceu para ser vistoso. Mas considero que o pouco sucesso de Dunga como treinador é um sinal de que, também por aqui, os técnicos autoritários e que impõem métodos rígidos de jogo já não são bem aceitos pelos próprios atletas. Falta o oxigênio essencial para um pouco de criatividade nos esquemas e o jogador também fica farto disso, além de ter que suportar um técnico déspota.

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Carles: Então podemos ter esperança de que vivemos o ocaso do futebol mesquinho? Imagino que os jogadores do Inter, entre outros, assistem aos jogos do Bayern, do Borussia ou do Barça e devem se sentir defasados profissionalmente, respondendo a ordens e filosofia de quem, parece, parou no tempo. Pensando bem, é bem possível que já tenhamos vivido sentimentos similares em outros tempos em que também pensávamos ter alcançado a revolução total, como com a laranja mecânica de Rinus Michels ou o Dream Team de Cruyff. "Catenaccio nunca mais!", devíamos pensar então, mas ele sempre volta. Por escassez de talento, falta de investimento em formação e urgências por obter resultados, mas sempre assomam. E os torcedores, detestamos assistir no campo ou na TV mas toleramos ler no jornal do dia seguinte que o nosso time ganhou por um a zero, mas ganhou. Essa tolerância é o oxigênio desse tipo de treinadores.

Edu: Gostaria de ter essa esperança mais no curto prazo, mas acho que ainda estamos distantes de uma mudança real de parâmetros. No caso específico de Dunga, como também de Émerson Leão e mesmo de Luxemburgo, que está empregado mas vê seu mercado cada vez mais reduzido, parece mais o esgotamento de um retrógado padrão do que os jogadores chamam aqui de 'comandante', independente da visão mesquinha de jogo. Dunga é um tipo humano ultrapassado no futebol, essa é a verdade. Sua intolerância com o meio em que vive o torna uma pessoa que não é bem vinda. Se ele fosse um competente gestor e hábil líder, poderia aplicar seus conceitos mesquinhos até com mais sucesso. Mas é difícil você fazer um time que está infeliz o tempo todo seguir suas convicções, ainda mais se também as convicções forem ultrapassadas. A questão do modelo Dunga é justamente que os talentos ficam subjugados a um modo de agir que sacrifica a todos. E, com essa carga, as vitórias, que poderiam justificar o modelo, também não vêm.

Carles: É mesmo provável que essa seja uma composição explosiva. Falta de empatia, de capacidade para comandar um grupo humano, junto com conceitos técnicos defasadas seja a causa desse fracasso esportivo, mas estou convencido de que ambos componentes se retroalimentam. Um sujeito agradável como Ancelotti tem maiores chances de aplicar os seus sistemas de trabalho, mesmo menos atualizados, por ser gentil. Mas certamente o mau humor e a necessidade de impor em vez de convencer podem ser também como um último recurso. Um certo desespero de quem vê, como você diz, o campo profissional se estreitar cada vez mais. Imagino que treinadores como Tite têm um cacife maior, uma margem de erro mais ampla por serem capazes de criar um ambiente de trabalho tolerante e menos hierarquizado. Mas logo, logo, algum diretor volta a apelar e recorre a esse círculo de treinadores, soluções paliativas de uma crise. Pelo visto, tem sempre um lugar para os tais 'comandantes' e por isso eles nem cogitem mudar seus métodos.

Edu: Os tipos como Tite, que passou (e ainda passa) por um momento tão ruim quanto o de Dunga quanto à posição na tabela, têm respaldo principalmente dos jogadores, o que faz o clube balançar na hora de fazer uma bobagem e simplesmente substituir o treinador. Tite não é nenhum modelo de técnico moderno, mas soube reciclar alguns conceitos e teve a habilidade de trabalhar voltado para seu elenco, sensível às coisas que afetam os jogadores. Até mesmo a torcida, normalmente passional em excesso, reconhece essas coisas. Vocês têm aí um exemplo bastante parecido, Cholo Simeone, que provavelmente nunca vai fazer times extremamente ofensivos, mas sabe empregar seus conhecimentos com a cumplicidade dos jogadores, tem pleno domínio do grupo que comanda sem precisar ser um 'mala' autoritário que pose de disciplinador e sargentão - ou que seja mesmo um sargentão. Quanto à postura dos 'comandantes', certamente não passa pela cabeça deles mudar os métodos, porque consideram viver num mundo à parte, no qual sempre os outros é que terão que se adaptar a sua forma de ser. Talvez por isso fechem tantas portas por onde passam.

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Carles: O exemplo do Simeone é mesmo conveniente porque ele não é o tipo de treinador que dá vida fácil aos jogadores, ele é muito exigente, faz todo mundo trabalhar em dobro, no treino e no jogo. Mais cedo ou mais tarde, os períodos menos gratos chegarão ao Manzanares e, nessas situações, é mais difícil contentar ou implicar todo mundo num projeto. Não faltaram os boatos de críticas internas ao trabalho de Guardiola, pela sua alta exigência, quando houve uma certa cisão no Barça, que fez cada um ir para um lado. No caso do Atlético de Madrid, pelo menos por enquanto, os jogadores se sentem estimulados por poder trabalhar com ele. Todos tem chance de jogar, ele fez algum jogador mal aproveitado, renascer. Os jogadores fazem o jogo que o treinador quer, porque ele é claro nos objetivos. Inclusive tem jogado ultimamente com dois volantes, Gabi e Tiago, que começaram suas carreiras atuando mais avançados. Todos os jogadores combatem e todos distribuem jogo. Parecem felizes e não só com os resultados dos jogos, mas por poder trabalhar com o Cholo e sua equipe, que também não deixa por menos. Talvez aí esteja a linha divisória, uma certa confusão conceitual que faz muita gente enxergar só duas possibilidades para dirigir um time de futebol, bancar o tirano ou o amigão, quando as escolhas passam por uma paleta muito mais variada.

Edu: A necessidade de um padrão alto de exigência é mesmo inerente ao futebol, mas os treinadores não precisam de subterfúgios morais ou autoritários para pressionar jogadores que disputam campeonato de primeiro nível e teoricamente sabem de suas responsabilidades. Quando aos métodos, no fim, vamos cair no de sempre. Como na vida, o técnico de futebol que quiser se impor que use a competência e os conhecimentos, do contrário não passará de um chefete de passagem pelo cargo, detestado como todos os outros.

Carles: Não dá para fechar esta conversa sobre o cargo mais efêmero do mundo, sem falar da cadeira de treinador de um dos times mais poderoso do mundo, o Manchester United, que manteve o último no cargo, Sir Ferguson, até que ele decidisse se aposentador, depois de 27 anos de serviços prestados ao clube. Imagino que a direção do United pensou, estudou dados e personalidades, observou e discutiu exaustivamente antes de escolher o substituto, David Moyes, que ainda não conseguiu dar um padrão à equipe, nem alcançou os resultados esperados na Liga e na Champions. E nem por isso parece ameaçado. Ou seja, competência e saber lidar com o material humano são condições essenciais para um treinador, mas nunca está de mais, poder contar com uma retaguarda institucional à altura.

Edu: Se a tal retaguarda for o suporte dado pelos dirigentes daqui, pode esquecer...

 

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