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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Dois 'brazucas' comandam a perigosa Croácia

Os 32 da Copa (30)  Grupo A

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Brasil favorito, ninguém tem dúvida. Mesmo assim, olho nesse jogo de abertura do dia 12 na Arena Corinthians, contra uma seleção com dois dos meio-campistas mais destacados da temporada, que ajudaram, e muito, seus times a conquistar a Champions e a Europe League, além de um 'killer' a serviço de Pep Guardiola. Se fosse pouco, leva também dois jogadores que não vão estranhar nada o ambiente porque ambos nasceram aí, apesar da nacionalidade croata. Com esses, Felipão nem implicou nem rogou praga como fez com Diego Costa... pois ele que se cuide.

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Edu: Menos mal que o 'killer' estará fora, suspenso por um destempero bem típico dele, que provocou sua expulsão no playoff contra a Islândia. Mand?uki? não seria mesmo o maior problema. Com Modri? e Rakiti?, dois jogadores de estilo bem brasileiro (mais 'brazucas' até do que Sammir e Eduardo, seus parceiros nacionalizados), esse time croata vive sua segunda primavera, são líderes da principal geração desde aquela que começou a história da Croácia nas Copas, com o terceiro lugar em 1998, sob a batuta de Robert Prosine?ki e Davor ?uker. No clima energético de uma estreia e contra adversários tão técnicos, qualquer vacilo vai complicar.

Carles: Veremos se o treinador teuto-croata Niko Kova? escala juntos a Luka e Ivan, de quem sou fã e que está num estado de forma espetacular, com meia Europa empenhada em fazê-lo deixar sua querida Sevilla. Com Mand?uki? fora desse encontro, Kova? poderia até entrar com os dois brasileiros, Eduardo da Silva e Jorge Sammir, que tem jogado algumas partidas como titular e já está bastante acostumado com as cores (no traje croata, com a inconfundível textura arlequinada), como jogador que foi do São Caetano, do Dínamo Zagreb e, agora, do Getafe, todos azulões. Quem não joga com certeza será o zagueiro Joe ?imuni? por comemorar a classificação para Copa aos gritos de "Za dom" ("Pelo lar"), com o braço levantado, a tradicional saudação nazi do histórico grupo radical croata Ustachis, de orientação ultra-direitista. Por isso, Simunic foi suspenso e não vai ao Brasil.

Ustachis lideraram o Estado Independente Croata, que virou um protetorado da Alemanha de Hitler e aos quais se acusa de xenofobia e genocídio.

Edu: A noção de nacionalismo e de ligação às raízes dos povos dos Balcãs está ainda aquém da nossa compreensão. O que aconteceu por lá desde a Segunda Guerra construiu algumas sociedades ao mesmo tempo cascudas e inquietas e muitos desses jogadores que estão aí foram criados sob vários estigmas, como o do colaboracionismo croata com o Terceiro Reich, do qual o grupo do indefectível Simunic certamente tirou inspiração. Mas, no futebol, gente como Zvonimir Boban também marcou uma fase de transformação e ditou alguns caminhos. Luka Modri? tinha seis anos quando a Guerra da Independência croata começou em 1991 e, como tantos, teve que morar em abrigos e hotéis de pequenas vilas durante os quatro anos seguintes para fugir dos bombardeios e massacres no confronto contra a Sérvia. É impossível que uma infância assim não marque esse pessoal e ao mesmo tempo não lhes dê uma bagagem de vida que inevitavelmente é levada ao futebol.

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Carles: Como diria um amigo que nem sabe onde fica a Croácia: "Papagaio é que come o milho e periquito leva a fama". Assim é um pouco a história desses conflitos que povoam a trajetória da Europa, que muitas vezes definimos de forma simplista como separatistas. Quando os povos de certas regiões lutam pelos direitos de autodeterminar seu destino e manter seus próprios costumes, sempre tem alguém com dotes imperialistas que pretende se aproveitar da situação. Ustachis, como a maioria dos grupos radicais violentos, provavelmente serviram a interesses maiores. Lá pelos anos 1940, lideraram o Estado Independente Croata, que virou um protetorado da Alemanha de Hitler e aos quais se acusa de xenofobia e genocídio. Por isso, talvez, o próprio presidente croata, Ivo Josipovi?, pediu a punição imediata e irretratável de Simunic à Federação Croata de Futebol, presidida pelo histórico Davor ?uker, a quem você se referiu. Descrita assim e para quem não conhece a Croácia, fica difícil imaginar o fantástico destino turístico em que se transformou essa zona balcânica.

Edu: Continuam tendo vida dura os comandantes do futebol croata, daí a escolha de um nome internacional como Suker para tentar reverter a situação. Se o país ainda tem o turismo com uma de suas grandes fontes de renda, o campeonato local sobrevive a duras penas, com dez times na disputa, e a crise financeira afetou de tal forma a frequência nos estádios que só poderia resultar no êxodo massivo de seus jogadores. Só um nome da lista de 23 de Kovac joga no país, o meia Ivan Mo?ini?, do Rijeka. E os rapazes de Felipão conhecem bem alguns deles em suas andanças internacionais. O velho capitão Srna teve por muito tempo a companhia de William e Fernandinho no Shakhtar (onde está também Eduardo da Silva). Luiz Gustavo conhece muito bem do Wolfsburg os dois atacantes que tentarão suprir a ausência de Mand?uki?, o habilidoso Ivan Peri?i? e outro veterano e artilheiro, Ivica Oli?. E, claro, Marcelo tem uma convivência privilegiada com o estilo de jogo do astro Modric, no Real Madrid. Contra o Brasil, não acredito que o treinador ouse colocar três atacantes e a dupla do Wolfsburg deve ser titular na frente.

Carles: E mais depois do bom resultado no amistoso de ontem contra Mali, com dois gols de Peri?i? assistido em ambos por Rakiti?. Se não virmos a habitual surpresa de muitas Copas no jogo inaugural, a Seleção Brasileira deve fazer os nove pontos possíveis no grupo, para isso é a pentacampeã do mundo e circunstancialmente quarta colocada no ranking Fifa. Croácia, que aparece como a vigésima colocada, tem na imprevisível seleção do México, 19ª - que ontem de forma dramática perdeu um dos seus melhores jogadores, Luis Montes - a teórica rival para a segunda vaga. À 50ª seleção, Camarões, fica reservado o típico papel de sparring, decisivo para uma eventual definição pelas diferenças de gols. Mas como é uma Copa do Mundo, nunca se sabe.

Edu: Os croatas devem passar, ainda mais com Mand?uki? de volta no segundo jogo. A comissão técnica terá o cuidado de preparar o time na Bahia, em São João, pertinho de Salvador, com a lógica preocupação de evitar um choque térmico para os jogos em Manaus (Camarões) e Recife (México). Antes, ainda veremos um amistoso dos croatas contra a Austrália, também na Bahia. Seria muito legal ver esse time, o mais brasileiro da Europa desde os tempos de Iugoslávia, seguir adiante na Copa.

 

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