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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Do vinho verde ao chá das cinco

Edu: Temos aí uma crise regada a vinho verde. Mourinho, em sua sanha por notoriedade, está se esmerando em colecionar inimigos e achou que podia disparar contra Cristiano Ronaldo sem ter uma resposta à altura. Me parece um acúmulo de velhos rancores que pouco a pouco vão vindo à tona.

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: José provavelmente prefere ser reconhecido como bebedor de chá das cinco. Ele é assim de cosmopolita. Só sei que até aquele fatídico Real Madrid-Valencia em que Mourinho reclamou de Cristiano na frente de toda a equipe e de Florentino, eles pareciam se adorar mutuamente. Mou insiste em usar e abusar das desqualificações do resto da humanidade para poder se sentir um ser superior. Inclusive não tem o menor problema em usar meias-verdades, ele disse que treinou o verdadeiro Ronaldo. Que me conste quem o treinou foi Bobby Robson, Mourinho era tradutor, nem segundo treinador era daquele Barça.

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Edu: É o tipo de coisa que pouco importa para ele, uma mentirinha a mais ou a menos. Ele quer é intimidade com as luzes, a verdade que se dane. O que mais chama a atenção neste caso é o ataque gratuito a um cara que salvou a pele dele várias vezes, que foi o grande responsável pelo pouco que ele conquistou em Madrid e que, além de tudo, é conterrâneo. Foi uma arremetida do mais baixo nível, nada que a gente não espere de Mourinho. Até onde esse sujeito pode chegar?

Carles: Na verdade, ele demonstra sempre um ar de segurança que não condiz com o menino chorão que parece ser, inclusive porque nunca mede as consequências dos seus repentes. Mas não descarto que seja eu quem esteja enganado, visto o seu elevado número de seguidores. E tem também a quantidade de jornais e clics que consegue com as confusões que arma. Um personagem assim tem que ser adorado pela imprensa não?

Edu: Ah, sempre. É uma garantia de manchetes e ele sabe disso muito bem. Ainda assim, e diante da resposta à altura que recebeu do Cristiano ('não cuspo no prato em que comi'), dá a entender que muita coisa rolou nesses tempos de Madrid que vão além do que a gente imagina. Aquilo é um mar de ressentimentos. Já bastava o problemão com Casillas e Sérgio Ramos, mas depois veio o Pepe e tantos outros queixumes. Sim, Mou é mimado, tem problema grave de autoafirmação, é bastante recalcado e não disfarça. Mas acumulou um ódio anormal com aqueles tempos de merengue.

Carles: Sempre foi um ambiente difícil, Mou disse que não é só um clube, nem é só futebol, é política. Tem razão, mas se ele sabia, porque não foi mais político? Se ele gosta dessa roda viva, parece-me, no mínimo, uma atitude pouco inteligente.

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Edu: Até porque o Chelsea não é nenhum jardim da infância e ele já tinha tido problemas políticos também em Milão. O fato é que, amanhã, o jogo que antes não valia nada ganhou tons de uma grande vingança não sabe do quê. Chelsea e Real Madrid decidindo um torneiozinho de verão nos Estados Unidos, mas com um tempero picante colocado pelo português. Tem todo jeito de ser uma grande encenação bem planejada, mas como é Mourinho, virou um reality.

Carles: Pois é, nem o "Bola de Ouro" dos publicitários seria capaz de idealizar uma campanha promocional de tamanho sucesso. Pode até ser, os meios sabem de todo o ressentimento do português, toda a ira que parece guardar dentro das vezes que as coisas não saem exatamente como ele gostaria. E conhecem o ponto fraco dele, a língua. Uma cutucadinha e zaz! Já tem pano pra manga e garantia de muitas edições com grande audiência. Agora, diga de quem você acha que são as seguintes declarações:

18 de outubro de 2010: "Todos têm inveja de Mourinho"; 28 de abril de 2011: "Não gosto de jogar com esse time, mas faço o que ele me pedir"; 21 de julho de 2011: "Cristiano sempre tem ambição, motivação e alegria para jogar"; 15 de maio de 2012: "Se existe justiça, Cristiano ganhará a Bola de Ouro"; 12 de outubro de 2012: "Se Messi é o melhor do planeta, Ronaldo (Cristiano!!!) é o melhor do universo"; 14 de janeiro de 2013: "As pessoas se manifestam como quiserem, e isso merece respeito, mas ainda acho que devem ter paciência (com Mourinho)". Declarações mútuas de amor, eu diria, e não de ódio.

Edu: Essa troca de afagos entre os dois durante algum tempo pareceu mais uma conveniente cumplicidade em um momento crispado de relacionamento entre portugueses e espanhóis. Nunca me convenceu. E o instante de ruptura certamente surgiu nos últimos meses em Madrid, quando Mou atirou para todos os lados e nunca preservou seu principal jogador. Além do que, Ronaldo tinha que continuar se relacionando com os colegas, por dever de ofício, e Mourinho detonou mais de metade da 'plantilla'. Tenho a impressão que o duelo do vinho verde com o chá das cinco está só começando.

Carles: Então você resumiria tudo a um jogo de interesses? Na casa branca não tem lugar para a amizade ou para a franqueza. Parece o mais evidente mesmo. As trocas de bandos, agora sou amigo deste e inimigo deste, agora odeio aquele e vou me aliar com aquele outro... Seria engraçado se não fosse patético. Alguns inclusive demonstraram um maior talento para essas transições, mas outros não conseguiram nem dissimular, vide Pepe, de quem, inclusive, pouca gente por aqui sabe a verdadeira nacionalidade. pasme!

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Edu: O jogo de interesses é um componente, sim, e não só da casa branca. Onde há choque de egos há problemas. Mesmo assim, ainda acho que muitos jogadores são conscientes de que é preciso conviver com um mínimo de profissionalismo mesmo que não existam grandes afinidades. Nesse ponto, o egocêntrico Cristiano, justiça seja feita, é tão fanaticamente profissional que é capaz de compartilhar o mesmo espaço por anos com seus desafetos. O que não é bem o caso do insuportável Mou.

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