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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Contra a apatia, brigada russa aposta em Capello

Edu: A apatia em que se transformou o futebol russo depois da dissolução da União Soviética ainda está pendente de uma justificativa histórica. Há mais dinheiro nos clubes, o campeonato mais curto é melhor organizado, as outras ligas europeias já não conseguem importar tantos jogadores, mas nas últimas duas décadas - exceto pela conquista da Copa da Uefa pelo Zenit em 2007/2008 -, os grandes times sumiram da cena principal, os estádios estão vazios e nenhum jogador verdadeiramente empolgante surgiu. A seleção tem sido uma sombra do que foi nos tempos em que os Dínamos, de Moscou e de Kiev, formavam autênticos esquadrões.

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Depois de uma fase de deslumbramento, com grandes investimentos à sombra do espólio das megaempresas estatais soviéticas, o futebol russo parece seguir buscando uma fórmula entre o mercado importador, como o daquela forte equipe do Zenit campeão da Uefa e o modelo produtor de talentos, inclusive criando alguns impostos sobre contratações estrangeiras e revertidos para o futebol de base.

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Edu: As altas fortunas não foram capazes de garantir qualidade...

Carlos: Tem também o recente exemplo do outro modelo, o Anzhi Makhachkala, irremediavelmente a caminho da Segunda Divisão, e que tentou imitar a gestão de grandes clubes europeus como o United, mas que demonstrou estar sujeito às variações de  humor do megamilionário de plantão e fracassou rotundamente. De todos modos, ou a estrutura financeira da Premier russa tem mesmo capacidade para reter as grandes estrelas russas ou se confirma a aparente dificuldade de adaptação dos russos ao futebol da Europa Ocidental. Ou ambos. Arshavin e Pavliuchenko estiveram na Premier, no Arsenal e Tottenham Spurs, respectivamente, e retornaram sem deixar saudades.

Edu: Arshavin, que foi o artífice daquele timaço do Zenit na Uefa, é o caso mais gritante de apatia futebolística dos últimos tempos. Tem talento, boa presença física, mas é de uma indolência irritante. Mesmo assim é o segundo jogador a defender mais vezes a camisa russa depois da fragmentação, com 75 partidas oficiais (só abaixo de Viktor Onopko), apesar de nem ser titular absoluto do time de Fabio Capello. De alguma forma, essa geração contraria outros russos que se deram bem na Europa Ocidental. Vocês mesmo tiveram representantes à altura em várias épocas, como o mítico Rinat Dasayev e mais recentemente Valeri Karpin, que virou uma instituição do Celta de Vigo junto com o compatriota Mostovói, mas que também passou por Valencia antes de rumar para a Galícia.

Carles: E não se esqueça da Real Sociedad. Valeri que nasceu Estônio, sempre foi um grande relações públicas, teve até programa na Tele-Vigo e segue mantendo negócios em Vigo. Dasayev foi o responsável pela grande quantidade de uniformes de goleiro amarelos vendidos nos 70-80 para moleques do mundo inteiro. "Rafaé", como era conhecido pela torcida sevillista, pela semelhança fonética em andaluz com seu sobrenome, faz parte da saga de grandes arqueiros russos e que começou com o mito Lev Yashin, o Aranha Negra - moscovita da gema que defendeu a meta e outras causas soviética, durante os anos 50, 60 e 70. E a tradição se mantém com Igor Akinfeev, terceiro jogador com mais jogos pela seleção russa (74) e um dos destaques da equipe atual.

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Edu: O magnífico Dasayev, um dos maiores goleiros da história, só não segurou os chutes de Éder e Sócrates naquele fatídico Mundial de 1982, jogo disputado no Sanchez Pizjuán, em Sevilla. Brasil e União Soviética abriram a disputa do grupo, na partida vencida pelo time de Telê por 2 a 1, de virada, depois de um frangaço de Valdir Peres.

Carles: Seja pelo motivo que for, as estrelas russas tendem a permanecer nos times locais. Nas últimas convocações de Capello, o único jogador "estrangeiro" é justamente da nossa liga. O jovem lateral hispano-russo Denís Chéryshev, que começou nas divisões de base de Sporting de Gijón e Burgos - clubes que o pai Dmitri Chéryshev defendeu - , passou pelo Real Madrid Castilla e atualmente está no Sevilla.

Edu: Mas segue vinculado ao clube da capital...

Carles: A equipe nacional russa tem já vários jogadores com uma certa rodagem, como os defensores Aleksandr Anyukov, 31 anos e Serguéi Ignashévich, 34 anos. Mesmo Arshavin, ex-grande promessa e garoto de ouro da geração que conquistou o terceiro posto da Eurocopa 2008, e Pavliuchenko, também daquele time, estão com 32 anos. O outro atacante destacado daquele grupo, Alexander Kerzhakov, hoje com 31 anos, ficou fora da lista final de Gus Hiddink, então treinador, que alegou preferir atacantes com maior mobilidade a meros goleadores. Na faixa dos 27, estão os meiocampistas como Dmitri Kombarov e Víktor Faizulin, em princípio, titulares absolutos.

Edu: Outro destaque da equipe atual também não é nenhum garoto, Igor Denisov, de 30 anos. Mas talvez a grande esperança russa seja um meio-campista mais jovem e promissor, Alán Dzagoyev, em quem o bilionário Suleiman Kerimov despejou uma fortuna para que atuasse pelo Anzhi Makhachkala e que, depois do desmanche, foi vendido ao CSKA de Moscou. Justo no dia da estreia da seleção russa em Cuiabá contra a Coreia, Dzagoyev cumpre 24 anos. Outro jovem que pode ter alguma chance é Aleksandr Kokorin, do Dínamo, um atacante alto e veloz, que já foi testado por Capello em 11 jogos.

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Carles: Quem parece não ter nenhuma dificuldade para se adaptar à vida de Moscou é justamente o bom Fabio, bastante convincente e sincero na sua última entrevista que ouvimos na Cadena Ser, assegurou que mora na capital russa de fato, curte a vida, a neve e o frio, apreciador do bom vinho que é. Admirador da disciplina da Espanha durante o regime franquista (foi ele que disse quando estava em Madrid!!!!), não parece ter problema em conviver com Putin. É o primeiro latino a dirigir o combinado russo, sucedendo aos holandeses Advocaat e Hiddink, primeiros estrangeiros nessa empreitada. Antes, lógico, todos os treinadores da seleção da URSS foram soviéticos.

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Edu: Com sua postura militar, rígida e autoritária, Capello parece feito para viver na sociedade russa sem ser muito incomodado, como ele gosta, aliás. E é também o tipo ideal para manter a uma certa distância sua seleção das polêmicas internacionais. Terá trabalho diante das reações que se multiplicam após as tensões geradas pelos movimentos sociopolíticos na Ucrânia.

Carles: Pois é, recentemente, começaram a pulular as notícias em alguns meios de que existiria uma campanha vindas dos EUA, redentores do mundo, para que a seleção da Rússia não pudesse disputar a Copa. Coincidentemente, favorecendo a representação dos eternos aliados, Israel. Coisas da vida.

Edu: Só me faltava essa. De todo jeito, os russos - que escolheram como quartel-general um centro de treinamento a cidade paulista de Itu - terão que fazer um esforço extra para evitar surpresas por aqui, já que estão em um grupo aparentemente tranquilo mas que pode apresentar alguma armadilha, contra a favorita Bélgica, mais Argélia e Coréia do Sul.

Carles: Seria interessante que eles cumprissem dignamente a missão no Brasil, como herdeiros que são, organizadores do seguinte Copa. O ranking Fifa deste mês coloca os componentes do grupo na seguinte ordem: Bélgica é 12ª, Rússia é 18ª, Argélia é a 25ª e Coréia do Sul, a 56ª. Meio obrigação passar né?

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Edu: Depois da estreia em Cuiabá diante dos sul-coreanos, onde o calor será cruel com ambos, o time enfrenta a fortíssima Bélgica no Maracanã, podendo depois decidir tranquilamente a vaga contra os africanos, em Curitiba, teoricamente como candidatos mais fortes. Passando, devem pegar o primeiro colocado no grupo da Alemanha, mas aí é outra história.

 

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