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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Antivírus Fifa

Carles: O vírus Fifa é aquela dolência que costuma acometer os clubes todas as vezes que seus jogadores se reúnem em torno às suas seleções. Dizem, não é casual que os piores resultados dos maiores clubes costuma ser justamente após essas datas. Por outro lado, a impressão é que os clubes conseguiram encontrar um antídoto para o vírus Fifa, a vacina, que consiste em, justamente, injetar um pouco do próprio veneno. Este fim de semana uma série de jogadores da liga espanhola convocados, principalmente para jogos entre seleções sem importância, decidiram mancar. Literalmente. Coincidência?

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: É o antivírus Fifa. O que mais deu na vista foi Cesc Fàbregas. Aquele 'migué' de dor no joelho foi uma piada. Lembrava aquela cara de sofrimento que Nigel Mansell fazia quando saía do carro depois de provocar um acidente, como se a vítima fosse ele. Só precisa ver se o Marquês acreditou...

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Carles: Eu tenho um palpite, não só não acreditou como consentiu. É algo pactuado, silenciosamente ou não, entre o selecionador e os clubes. "Hoy por mi, mañana por ti", como se costuma dizer aqui. Nos jogos contra Guiné e África do Sul certamente 'La Roja' não vai sentir a falta de Cesc e assim, como aconteceu com Piqué, Xavi e Iniesta em outras ocasiões, desta vez, é o turno dele entrar nas "rotações". Até acho que a canastrice na interpretação foi mais para a galera que para o selecionador. Se Diego Costa foi mais convincente ou realmente está machucado, também não serão os dois amistosos, os melhores cenários para a tão esperada estreia.

Edu: Acho que o pacto inclui a galera, porque aquilo ali não convence ninguém. E nem acho que a galera esteja preocupado se Cesc vai ou vai estar contra a pujante Guiné. É claro que os clubes usam as ferramentas que estão  ao alcance. O Barça já faz muito isso, o Madrid também - Marcelo se machucou de novo - e normalmente as lesões duram exatamente o período das datas Fifa. Marcelo, por exemplo, deve ficar dez dias parado. Só não sei se Felipão terá a mesma leveza de espírito de Del Bosque. Ele costuma bater pesado e pregar uns castigos como fez com Ramires recentemente. Quanto ao Diego Costa, tenho a sensação de que foi lesão mesmo. Ele certamente queria estar para fazer uma estreia contra um adversário docinho de coco.

Carles: Os docinhos não são o maior problemas, mas sim as viagens. Imagino que nosso amigo Rosell rangendo os dentes, vendo Alves e Neymar voando para a América do Norte em plena competição. Mais cedo ou mais tarde, eles entrarão no esquema antivírus, queira o Felipão ou não. Aliás, vai ser mais uma chance dele bater boca. Por isso e mais depois de um empate de certa forma inesperado, não seria estranho que o Atlético e Simeone tivessem negociado com Costa que ele adiasse finalmente vestir La Roja. Ainda acho que, com a fase de Diego Costa, ele não ganha muito embarcando nessa excursão. Llorente, em compensação, com uma só convocação em 15 meses, anda precisado e vai querer aproveitar cada minuto. Uma oportunidade que ele deve também à sua vítima favorita, o Real Madrid.

Edu: Não tenho essa estatística, mas você vive dizendo que o vírus Fifa de fato causa um apagão a cada retorno dos craques, isso quando eles não retornam baleados. Se é assim, os clubes deveriam fazer algo mais do que ficar gritando via imprensa nesse interminável chororô. Se é assim na Espanha, também deve ser em outros lugares. O Bayern deve ter problema, o PSG, muitos problemas, o City, o Arsenal. Duvido que um plano bem arquitetado, com alguma diplomacia, não colocasse Blatter na parede. Ainda mais que o digníssimo Platini vai querer apoiar os europeus. Mas justo quando mais tem se falado sobre o esvaziamento dos times nacionais não seria esse mais um duro golpe nas seleções?

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Carles: Mobilização? No mundo do futebol? Pouco provável. Não é uma questão entre continentes, se bem que a Europa congrega a maior parte de figuras selecionáveis, também tem o maior número de seleções no ranking. Portanto não sei de que lado ficaria monsieur Michel, dos clubes ou das seleções. Esvaziar as seleções vai ser um páreo duro para os clubes. O argumento de que são eles que pagam os altos salários perde força na medida em que algumas seleções são ícones tão valiosos para as grandes marcas esportivas, por exemplo, que muitas dessas agremiações. E isso é decisivo. Por mais que se tente, as seleções têm vida longa, meu amigo.

Edu: Mas eu acho que um dirigente mais habilidoso- muito de vez em quando surge um - poderia encabeçar alguma iniciativa. Não vejo que no mundo do futebol tem que ser ou sim ou não, nunca equilíbrio. Claro que as seleções não vão acabar, como os grandes clubes continuarão fortes, mas por que não daria certo uma solução negociada? Por não haver uma tradição de mobilização no futebol, já vamos desistir disso? Acho que é possível sim. Se o Bom Senso FC conseguiu mexer na teia de aranha da CBF, os Barças e Madrids também podem. O problema é que se colocar Florentino ou Berlusconi para negociar, aí não tem jeito mesmo.

Carles: É, os dois não seriam minhas indicações, sob o risco de uma hecatombe no futebol, ao invés de uma solução. Claro que é possível, está na hora de começar a negociar mesmo, aquela história que já se fez, faz muito e em que se não se oferece vencedores, todos perdem menos, falando em termos capitalistas. Negociar é sinal de inteligência e não é possível que não exista vida inteligente no planeta futebol. Prometo pensar com carinho nos meus candidatos. Enquanto isso, os altos salários seguem fingindo e nós, fingimos que acreditamos. Para você ter uma ideia, um dos destaques do pequeno Levante, o goleiro Keylor Navas também teve um problema físico e não vai jogar o amistoso da sua já classificada Costa Rica na Austrália. O antivírus se estendendo até entre os mais modestos. Imagino que, entre eles, o Blatter nem se incomodaria em interceder.

Edu: Certamente não, a menos que ele desse um cargo na Fifa ao sargentão que temos por aqui vigiando os jogadores. Já que você falou em hecatombe...

 

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