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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Antídoto para os superegos

Carles: O Atlético de Madrid do Cholo Simeone conseguiu um modelo de jogo ideal, entusiasma, atrai a atenção de torcedores, a admiração dos adversários e o próprio grupo parece contente, sem uma única voz discordante, inclusive quando o treinador decide fazer uma substituição ou qualquer mudança. Felicidade eterna? O grande mérito do Cholo, para mim, foi a capacidade de recuperar jogadores um tanto desvalorizados do elenco e dar confiança aos jovens para poder contar com cada um deles quando necessário e com máximo rendimento. Os exemplos por uma coisa e outra, são Koke, Oliver Torres, Arda Turan, Adrian e o surpreendente Raúl Garcia. Esse tipo de coisa é mais complicado nos dois grandes tendo em conta os gigantescos egos que convivem por lá. Até quando o Cholo vai conseguir conter arroubos de egocentrismo no feudo colchonero? Será mais uma vez esse o ponto fraco desse castelo de cartas que o argentino construiu com tanta habilidade?

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Esses times com perfil de operariado, atraentes como coletivo e disciplinados ao extremo, sempre dão em boas coisas quando há uma liderança forte e respeitada, como a do argentino no caso do Atlético. Mesmo no futebol sul-americano, menos sistemático, temos muitos exemplos recentes bem sucedidos, como o Newell's e La 'U', sem contar os brasileiros Corinthians e Cruzeiro. Nem acho que seja um castelo de cartas, mas são fórmulas que com o tempo se desgastam, isso sim, porque se trata de um modelo bastante exigente com os jogadores e que demanda um esforço ainda maior do comando para manter a concentração e o comprometimento. Veja o Corinthians, que só descobriu que tinha um craque desequilibrante dentro de seu esquema operário depois que o perdeu - e o time veio abaixo, não só pela saída do Paulinho mas porque o discurso se esgotou. Quanto aos egos, nunca se sabe, mas não vejo ninguém tão vaidoso assim no elenco do Simeone, onde o jogador que mais se destaca é, inclusive, um centroavante que brilha pelo poder de decisão e pela imensa capacidade de concentração. O problema é mesmo o suporte que os resultados darão a um modelo tão exigente.

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Carles: Bom, com a expressão "castelo de cartas" eu fazia referência à fragil estabilidade de elencos compostos por jogadores expostos aos focos. Geralmente é difícil manter a harmonia frente a situações em que, um deles, quiçá influenciado pelo agente, o pai ou um amigo, sei lá, começa a pensar que não está sendo o suficientemente valorizado. Por isso a imagem do castelo de cartas que precisa que todos os seus componentes estejam de acordo com a posição que ocupam, na base ou em outro lugar um pouco mais privilegiado. Certamente, nos exemplos que você citou em algum momento, o equilíbrio foi quebrado, ou por um enrarecimento do ambiente ou pelo tal fim de ciclo. Diante da aparente falta de pontos frágeis nesse grupo formado no Manzanares, é quase inevitável imaginar que essa situação possa ocorrer por lá. Inclusive, se tivéssemos que apontar algum candidato, o primeiro provavelmente seria o turco Arda Turan, pelos costumeiras ameaças a deixar o clube, a cada temporada. Parece o mais vulnerável à tentação de jogar num clube de maior projeção. Isso até que a mosquinha pique o próprio ou alguém do entorno de Diego Costa, por enquanto muito humilde e perfeitamente adaptado ao papel de operário, mas até quando?

Edu: Os ciclos não são nocivos ou um sinal de decadência, eles representam na verdade uma dinâmica que existe de fato e faz bem ao futebol. Quantos timaços, cheios de craques, não viveram ciclos, acabaram e ressurgiram? Eles (os ciclos) terminam, só isso, e ainda bem porque do contrário seria um tédio. Se você imaginar que um time desses, sem vaidades, consegue ganhar alguma coisa e, principalmente, deixar exemplos, será já uma imensa conquista. É saudável ter modelos assim, mesmo que esgotáveis. Não acho, por exemplo, que o Real Madrid vá cair no mesmo erro ao enfrentar outra vez o Atlético daquela forma arrogante, porque aprendeu coisas das últimas visitas de Cholo e sua moçada ao Bernabéu. O Corinthians e o Fluminense só caíram muito de produção depois que os adversários descobriram os antídotos, alguns deles utilizando fórmulas parecidas, de times compactos e comprometidos. E até mesmo os conglomerados de grandes craques precisam às vezes disso, talvez seja o que Gerardo Martino esteja querendo implantar no Barça. Talvez.

Carles: Tédio mesmo se não houvesse alternância entre as diversas forças. Mas pior ainda é ver como são instáveis as estruturas dos clubes que numa temporada ganham um título importante e no seguinte são rebaixados. Nem acho que existam setores empresariais exemplares, mas o futebol que pretende demonstrar profissionalismo, às vezes, abusa do direito de ser amador nos gabinetes.

Edu: Em todo caso, insisto na função pedagógica desses times solidários, que agrupam profissionais qualificados nas diversas funções (estatística, psicologia, gestão, nutrição) e conseguem puxar os jogadores para novos ideais de atuação em grupo. Nesse ponto, os jogadores evoluíram bastante também, junto com as equipes de apoio, com as tecnologias e mesmo com os esquemas táticos. Quando um time como o Atlético faz o que faz sem gastar absurdos - e lembro novamente o exemplo do Corinthians de 2011/2012 e, dentro de certas proporções, o atual Borussia Dortmund -, parece que o futebol tem jeito.

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Carles: Pois que esses exemplos, mesmo que volúveis, sirvam de lição para próprios e alheios.

 

 

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