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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

A farra do desperdício

Edu: Eu não percebo, mas também não consigo ler tudo... a mídia daí, mesmo a mais crítica tem percepção do desperdício dos grandes clubes? Basicamente os dois, claro... Por exemplo, isso de contratar três e às vezes quatro caras para a mesma posição. Pelo que vejo, eles recebem tudo como uma grande festa, um oba-oba geral, e não refletem sobre a bobagem que é em todos os sentidos - financeiro, técnico, moral. Ninguém pega no pé por isso? E é gritante porque, quando Ancelotti chegou, deu uma entrevista dizendo que o Real Madrid estava bem servido em todas as posições e a rigor não precisaria de mais ninguém (Isco e Illarramendi já tinham chegado). Óbvio que ele não precisava do Bale. É só um exemplo, porque o Barça tem feito isso também, não neste ano, mas em outras ocasiões. Não encontro nenhuma crítica sobre isso na imprensa escrita (incluindo digital) e tampouco no que vejo ocasionalmente na TV. Talvez o rádio...

Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Pensei nisso exatamente hoje. Todo início de temporada o Madrid principalmente é um especialista nesse tipo de desperdício. E em nada tem a ver com suprir as necessidades técnicas da equipe, mas sim demonstrar um grande poderio. Este ano a coisa parece ter mudado. Mérito do Ancelotti? Provavelmente em grande medida sim, mas se o projeto Florentino não tivesse colhido tantos fracassos, tendo como auge a era Mourinho, imagino que o boss merengue não teria se mostrado tão flexível. Bale, como já comentamos aqui várias vezes, é esse resquício do passado vicioso de Florentino. É o direito que ele ainda acha que tem de dar um soco na mesa e mostrar quem manda aqui. Mais do que uma contratação coerente é uma senha de virilidade, diria talvez, o clone de filósofo Valdano.

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Edu: Tudo bem, essas demonstrações do Florentino nós tanto conhecemos que há dois meses prevíamos aqui que ela daria uma tacada forte pelo Bale. Mas volto à minha pergunta: alguém aí se incomoda publicamente com esse desperdício?

Carles: A imprensa esportiva sempre se mostra facciosa, descaradamente alinhada com este ou aquele clube, ou melhor, com o dirigente que convêm, de acordo com o momento. Não, ela não é crítica, participa da festa, celebra cada contratação como se fosse uma vitória no campo. Alimenta-se desse circo que ela considera ser a principal fonte de informação. Uma distorção de todo o sistema que acredita na máxima que diz que é preciso dar à audiência a carniça que, se supõe, ela pede.

Edu: É o tipo da asneira que é privilégio dos arrogantes. O torcedor percebe na hora que se você comprar dois meias de alto nível, e só tem vaga para um, obviamente alguém vai sobrar e daqui a alguns meses pode se tornar um problemão. O Madrid já fez isso várias vezes, desde o Michael Owen nos primeiros galácticos, depois passando por Sneijder, Robben e agora vai acontecer de novo, está escrito. O Barça também fez algumas vezes e o caso mais gritante foi o de Thierry Henry, um pouco também o Ibra. O clube faz um estardalhaço, torra uma grana amazônica e joga tudo na mão técnico: vire-se... Ancelotti vai ter que deixar fora ao menos dois ou três jogadores que são indiscutíveis nas seleções de seus países. Vamos que ele coloque o Bale no lugar do Isco, o que já será uma barbaridade com o melhor jogador da pré-temporada. Mas ainda há Özil, Di Maria, Benzema, Modric (isso porque nem conto mais o Kaká) para brigar por duas vagas, porque obviamente Cristiano tem lugar assegurado. É insano.

Carles: Bom, Zé, o conceito de titularidade por aqui é, ou pelo menos era, um pouco diferente. Eu gostava bastante daquela filosofia de grupo, mais além de uma equipe de 11, em que o treinador podia recorrer a variações táticas segundo as circunstâncias. O ego das divas e a pressão dos patrocinadores que exigem ser titulares em todos os jogos transformaram tudo isso, infelizmente. Feita essa ressalva, voltamos à história da falta de qualificação dos dirigentes para tomar decisões que possam beneficiar o time. Para que você tenha uma ideia dessa insanidade, a chamada imprensa "madridista" segue falando em Luis Suárez (além de Bale!!), quando eu acho, ele já está totalmente descartado. Tenho a impressão de que Ancelotti pretende aproveitar Morata e Jesé e fez a diretoria saber. Quanto ao Bale, provavelmente se fosse consultado, o italiano diria que não é necessário, mas duvido que perguntem a opinião dele.

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Edu: Nem precisam perguntar porque ele já disse o que acha, na primeira entrevista. Que não seria necessário mais ninguém. Mesmo assim o galês está chegando por 100 milhões. E essa história de o sujeito fazer parte de um grupo de mais de 11 titulares pacificamente nós sabemos que é balela. Principalmente se for um jogador de ponta. Modric pode até aceitar, mas Bale e Özil não vão digerir jamais o banco de reservas. É uma realidade que vai além dos patrocinadores, inclusive. Lembro de Yaya Touré no Barça. Fez ótimas temporadas, ganhou tudo e pediu para sair porque queria jogar. E jogou muito depois que foi para o City, tanto que virou o jogador mais bem pago da Inglaterra.

Carles: Balela? Durante muito tempo foi assim por aqui, tanto que eu achava curioso quando um jogador brasileiro era contratado por um time europeu e só entrava no segundo tempo estrategicamente, os meios brasileiros normalmente alardeavam que o sujeito, tremendo cracaço, era um mero reserva. Mas isso foi faz tempo, antes que imperasse a fogueira das vaidades e que as escalações virassem uma verdadeira briga entre lobbies de patrocinadores. Voltando ao tema principal, deixei de responder sobre a posição da TV e rádio na farra das contratações. Considerando que a maioria dos cronistas são multimeios, você já pode imaginar. Mesmo assim, o rádio segue sendo ainda um meio mais leal e confiável, ainda guarda uma certa semelhança com seus tempos mais aguerridos, quiçá por ter que lutar muito mais para se manter. A TV? Não me faça rir!!! A TV faz da informação um verdadeiro show e as contratações chegam como verdadeiras estrelas, sempre, anunciadas com todas as pompas e sem nenhum sentido crítico.

Edu: Seria pedir muito também dos agentes, que normalmente são aves de rapina tão predadoras quanto os cartolas. Mas caberia a eles orientar os jogadores sobre o que os espera. Acho que algumas vezes, inclusive, o jogador pode preferir em tese ser reserva no Real Madrid do que titular em 90% dos outros times, mas na prática isso dificilmente se comprova. O normal é que ele queira jogar e sempre, do contrário perde tudo, inclusive o possível lugar na Seleção e um ou outro patrocínio. E não é privilégio da Espanha, onde a briga entre os dois grandes determina a ganância dos dirigentes. Há muitos outros assim, o City é o campeão do desperdício, o PSG é outro que chama a atenção e o Bayern acaba de montar praticamente dois times. Não tenho dúvida que é um conceito que pode se transformar num haraquiri em matéria de gestão esportiva.

Carles: Bom no caso do Bayern, por exemplo, Mand?uki? deve ter entendido que, como centroavante tradicional, não tem a preferência de Pep e a referência mais flutuante será o Müller. O croata fica como alternativa tática. No planejamento isso fica muito bacana, veremos como Guardiola administra todos os egos, principalmente na fase em que os resultados não forem os melhores. City e PSG são exemplos do novo modelo de clube esportivo profissional, propriedade de sheiks (tem também os dos petrodólares russos). Quem sabe o que está por trás de cada negócio que eles realizam? Supõem-se que quantas mais transações forem feitas...

Edu: Exceto pela origem e destinação da dinheirama, não vejo diferença quanto ao desperdício, por mais genial que seja Guardiola. Me cobre se, daqui a alguns meses, dois ou três meio-campistas e atacantes não estarão querendo deixar a Baviera, talvez o próprio Mand?uki?. Assim como Lavezzi no PSG, depois da chegada do Cavani, Dzeko e Nasri no City com outros tantos concorrentes. É a lei do jogo, um inconformismo que é positivo do ponto de vista esportivo, uma insubordinação contra os perdulários.

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Carles: Não deixa deser uma das regras desses contratos insanos que transformam os jogadores em produtos numa prateleira. Muito caros, mas produtos. Enquanto isso não mudar, os perdulários continuarão se multiplicando.

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