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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

O primo pobre no poder e Neymar em xeque

Edu: O fato de o primo pobre de Madrid ser líder da Liga das Estrelas é o triunfo de um modelo ou é resultado da crise dos gigantes, Barça principalmente?

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Carles: Um pouco de cada coisa. As últimas ligas foram decididas por pequenos detalhes, em função do desempenho dos dois grandes, de alguma derrota ou empate inesperados. Este ano o Atlético está à espreita, e não parece disposto a perder o ritmo dos outros dois. O diabo está nos detalhes e o Cholo se converteu em Midas, ontem Diego Ribas voltou ao time, como se não tivesse ido embora, e marcou. Incrível a fase dos rojiblancos.

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Edu: Nas partidas mais complicadas aparece o que temos comentado aqui no 500 aC há meses sobre o time do Simeone: a consistência da repetição. São jogadores tão condicionados por um modo de agir, que resolvem as coisas num estalo, numa chispa. Continuo achando que é um time que não sabe ter a iniciativa. Mas quando tem o placar a seu favor e pode contar com o descontrole do adversário, é fatal.

Carles: O que, da mesma forma, significa ter controle da situação, quando não tática ou técnica (aparentemente), psicológica. A impressão é que o tempo joga sempre a favor deles. Futebol não é tênis, em que a troca de bolas é obrigatória. No futebol, pode-se induzir o adversário ao erro também de forma passiva. Não o Barça, claro. Se os culés perdem a iniciativa em algum momento, imediatamente surge a desconfiança gerale se instaura a crise.

Edu: É crise de identidade né? Só pode ser isso. Um time despersonalizado, quase ninguém sabe se é titular, se o meio de campo é quem comanda, ou se é tudo uma questão de Messi querer ou não querer. Com tanta desordem, sobra para a ponta que já é a mais fraca - a defesa. E um técnico inseguro ajuda a semear o caos. Parece absurdo falarmos em caos num time que tem uns 15 craques de seleções de ponta, inclusive a base da seleção campeã do mundo.

Carles: É uma cruz essa, de ter sido o melhor time do mundo, jogando um futebol quase infalível e que, agora, não permite falhas, nem hesitações. Imagino que a obrigação de manter um nível assustadoramente alto, dá certa vertigem, o "mister" Martino olha lá do alto e pensa "Socorro mamá, que me caigo". Tem também a responsabilidade institucional, que tem muito a ver com os momento decisivos vividos pela sociedade catalã e com a imagem dada pela diretoria. Tudo isso cria insegurança. Mesmo assim, ainda penso que o principal problema é uma cisão interna que o clube não vivia há anos, pelo menos de forma tão explícita. O pior é que, como se costuma dizer, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco e temo que é lá onde Neymar está se segurando, porque acaba de chegar, porque é o bode expiatório público da discórdia e porque custou muita grana, ao contrário do Tata. Se eu fosse ele, fingia que não é comigo e arrebentava na volta ao campo. Só que aviso que não vai ser nada fácil.

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Edu: Se a maior vítima dessa história for o Neymar, vai se confirmar o que vem acontecendo há anos nesse ícone emblemático da Catalunha que é o Barça: para purgar as mazelas internas o negócio é atirar às feras um gringo, o corpo estranho, que é mais fácil. Neste caso será mais de um gringo, porque o Gerardo Martino será jantado junto com Ney. Seria de uma burrice abissal, mas não me surpreenderia.

Carles: O corpo estranho sim, mas não necessariamente o gringo, se bem que nunca vou convencer você do contrário. Parece-me quase tão preconceituoso pensar que os estrangeiros são sistematicamente descartados como o fato em si. Concordo de que, sim, existe uma tendência a extirpar o elemento menos acomodado, integrado e que costuma ser aquele que menos percebe as nuances e sutilezas locais. Rivaldo, Ronaldo e Figo sofreram com isso, mas Neymar, com tranquilidade e inteligência, caminhava para aguentar até que essa adaptação se consolidasse. Parecia aceito, mas aí pintou a burrice abissal, como você diz. Só que a asneira não é exatamente dos catalães ou dos seus símbolos institucionais, mas da ambição dos senhores Neymar Senior e Sandro Rosell. Muita ambição e pouco profissionalismo. E as grandes vítimas podem ser o garoto e os interesses do Barça.

Edu: Muito menos eu vou convencer você de que a discriminação vem sempre do mesmo lado e, por acaso, sempre atinge um gringo. Pode ser coincidência, embora eu saiba que você não acredita em coincidências. É gritantemente óbvio que Neymar não conhece o padrão local de comportamento, a cultura culé ou coisa que o valha. E é dolorosamente verdadeiro que a única arma que ele tem para conseguir seu espaço é a competência técnica. Não é possível que o clube mais vencedor e de maior sucesso institucional dos últimos anos exija em pouco mais de seis meses algo além disso de um rapazote de 21 anos. Mas se quiserem pegar pelo lado do Neymar pai, não tenha dúvidas, vão pegar, vão fritar, vão crucificar. Ou seja, não estamos falando de jogar bola e sim na manutenção da cosmética institucional, que é igual na Catalunha, no cantão chinês e na prefeitura de Suzano ou de Orobó.

Carles: Quando tiver um tempinho, passo alguns estudos, documentários e reportagens sobre o nível de aceitação dos estrangeiros na Catalunha e em outras regiões da Espanha, sobretudo na região central. Você vai ter mais de uma surpresa. E mais, quem fica surpreso sou eu com alguém que conhece a capacidade de manipulação dos meios mais poderosos e continue acreditando em contos da carochinha. Discordo também sobre que Neymar desconheça as particularidades locais, ele me surpreendeu quanto à capacidade de enxergar o entorno em pouco tempo. E concordo com que ele vai ter que reverter essa situação no campo, aliás o que ele veio fazer aqui desde o começo. E quanto antes o pai dele fechar a matraca melhor para o futuro do filho. Inclusive foi a estratégia do clã dos Messi, que deixou tudo cair sobre as costas do patriarca e fez do silêncio a melhor resposta. Tanto que ultimamente pouco se fala sobre a podridão do reino dos Messi.

Edu: Bom, nessas horas, a gente sempre evoca antigos conceitos de nossos avós, não necessariamente envelhecidos, gotas de sabedoria que nos perseguem como fósseis: o tempo dirá.

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